Por Elzira Uyeno
Aos 78 anos, Leonard Cohen lança CD, DVD, autobiografia e vive o auge da carreira. O músico enxergou a “terceira idade” com olhos de pós-modernidade e recusou a impotência de perceber a velhice como o fim dos projetos e a saudade do que não existe mais
“Há dias que envelheço o dobro da certidão”. Não há melhor tradução do que a estrofe de Cassiano Ricardo para explicar o quanto a batalha contra o tempo é algo relativo. O envelhecimento é um fenômeno biológico inevitável, que atinge a nossa existência física, mental e social, mas torná-lo um momento singular é de nossa intransferível responsabilidade. Eis o que mostra Leonard Cohen, um dos grandes fenômenos da música pop.
Em 2005, aos 71 anos, aposentado, Cohen estava vivendo num mosteiro budista na Califórnia, onde pretendia permanecer até o fim da vida. Descobriu, contudo, que sua agente desviara todas as suas economias.
Ele então precisou voltar à estrada e o fez sem ficar lamentando o ocorrido. Recusou a impotência em enxergar a velhice como o fim dos projetos, o vazio do presente e a saudade do passado: não se fez cúmplice da epidemia de depressão que se instala; não viu a velhice com os olhos da modernidade, mas, como orienta Forbes, com os da pós-modernidade. Compreendeu que vivemos tempos de outros laços em que as intermediações e as garantias dos laços da modernidade deixaram de existir. A velhice é metonímia de morte? Ora, a morte é sempre uma surpresa. “Um minuto de vida é idade suficiente para morrer” lembra-nos Forbes, evocando Heidegger, em Velhice, para que te quero.
Hoje, aos 78 anos, o poeta, cantor e compositor canadense – que só se aventurou no mundo da música depois dos 30 – vive o auge da fama: faz a sua mais bem-sucedida turnê, e toca para os maiores públicos de sua carreira. No ano passado, lançou um CD/DVD ao vivo, um disco com músicas inéditas e planeja outro disco para 2013. Em comemoração a essa volta, no final do ano passado, a jornalista britânica Sylvie Simmons presenteou Cohen (e a nós também) com I’m Your Man – The Life of Leonard Cohen, a biografia envolvente sobre um dos personagens mais fascinantes da música pop. A perda precoce do pai, a rebeldia juvenil, o gosto pela literatura e pelo estilo de vida “beatnik“, o autoexílio na ilha grega de Hydra, a visita a Cuba logo após a revolução, a vida junkie no Chelsea Hotel, as conquistas amorosas, a vida no mosteiro revelam que assumiu a vida pelo amor “fati” nietzschiano: apenas dizia “sim” à vida. Fosse uma autobiografia, Cohen certamente recorreria a Neruda: “Confesso que vivi”.
Em tempos pós-modernos, temos todos, certamente, dias de Cassiano Ricardo, quando sentimos ter o dobro dos anos que a certidão nos dá. Cohen reverte essa equação, responsabilizando-se pela fidelidade à sua singularidade – a saída ética e também a única possível, como propõe Forbes. Além de uma história de ressurreição, ele nos traz uma história de reinvenção.
Confesso que aprendi.