Por Fabiana Guedes de Oliveira
Como bancar seu desejo? Querendo todas as mulheres, José não quer apostar, não quer escolher
Deparei-me, no caso que vou apresentar, com a inquietação de que interpretar e dar sentido não é suficiente para avançarmos numa psicanálise. Pelo contrário. Há um novo e grande desafio em olhar para o que nos foge ao sentido diante de sintomas que vêm acompanhados da impossibilidade de interpretação, apresentando-se, como diz Jorge Forbes, no “curto-circuito da palavra”.
José, quando procurou atendimento psicanalítico, estava com 28 anos. Com diploma universitário e com trabalho bem remunerado, tinha tudo que um homem poderia querer: juventude, dinheiro, independência, viagens, mulheres. Mas, o que havia era sofrimento.
Sendo filho mais velho, trazia uma história de vida, na qual o pai estava sempre ausente. Trabalhava muito. A mãe lamentava muito. O pai reagia a esses lamentos com silêncio. José era aquele que deveria ser o filho perfeito. Como bom filho, não queria contrariar a mãe. Desejava satisfazê-la. Na adolescência, José virou o disco. Resolveu ser “o capeta”. Experimentou de tudo: drogas, bebidas, sexo sem compromisso.
De repente, aos 22 anos de idade, José perde o pai de uma maneira trágica. O pai suicida-se. José o culpa por tê-lo deixado órfão. Culpa a mãe, culpa a si mesmo. No entanto, toma um rumo em sua vida, “toma jeito”. Torna-se um profissional bem sucedido, pois, com a morte do pai, consegue “sair de sua sombra”.
No entanto, se viver à sombra do pai impedia-o de fazer algo criativo com seu desejo, agora, assumindo seu lugar de adulto, José conseguiria resolver sua vida? Nem tanto. Sua vida amorosa é uma montanha russa. Há altos e baixos, entusiasmo e descidas repentinas, euforia, desânimo. José quer muito ter alguém. Fica apaixonado e compromete-se. Assume as despesas da namorada para satisfazê-la, até que perde a graça e se separa. Daí sente-se um “cafajeste”. Mas, não tem jeito: embora quisesse uma família, mal suporta a presença de uma mulher. E o sexo acaba por tornar-se uma obrigação torturante!
Esse turbilhão emocional cansa José. Não aguenta mais a repetição. Busca novas formas de lidar com a culpa. Em análise, quer respostas prontas. Se antes bebia, agora come até a garganta. Tenta preencher com palavras e com comida um vazio que nunca é preenchido e para o qual não há explicação.
José encontra-se diante da questão, como bancar seu desejo. Querendo todas as mulheres, não quer apostar, não quer escolher. “Escolher é correr o risco de perder o quê?” pergunto. José não quer “perder o reinado”, portanto, algo que nunca teve, pois o reinado na família sempre foi de seu pai. José continua a desejar este lugar. Está preso na cena da qual, repetindo, procura uma saída.
A análise chegou a um momento que era necessário dar um basta. Mas tomar uma atitude é algo muito arriscado para José. Se sua análise, como podemos apreender com Jacques Lacan, precisa ir além do Édipo, não basta dar uma interpretação sobre aquilo que havia sido recalcado, ou seja, o conflito edípico. Vivemos num tempo, no qual a orientação vinda do pai não existe mais. Como José pode escolher uma mulher num mundo sem a orientação paterna tradicional? Afinal, há sempre uma mulher mais bonita para se namorar. E agora José?
Como apreendemos com Jorge Forbes, na clínica do Real buscamos implicar o paciente em sua escolha feita no susto, no não saber. Escolher, tal como fazer análise, é correr riscos, é apostar e responsabilizar-se diante daquilo que der e vier. No entanto, nem todos aguentam o peso da responsabilidade diante do desejo. José não quis encarar a escolha e seus riscos. Preferiu deixar a análise. E fez-se silêncio!
Fabiana Guedes de Oliveira é psicóloga graduada pela Universidade de Fortaleza e psicanalista clínica em Rio Branco – Acre.