Por Dorothee Rüdiger
A pós-verdade na rede ou fora dela só deixa mais evidente que nossas falas são construções linguageiras em torno do grande mistério que cerca o amor e a morte
Alguém lembra do Pokemon Go? Parece mentira. O jogo que era uma verdadeira febre entre jovens e não tão jovens ainda semanas atrás. Lembram? Viroses que tomam conta do corpo e que tomam conta da vida dos internautas são assim. They come and go. Mas, o que isso tem a ver com a eleição de Donald Trump, sobejamente comentada nas redes que, hoje, representam o mundo? O que resta dizer, no Mundo visto pela Psicanálise sobre o fato que deixou as pessoas estarrecidas de surpresa pelo globo afora?
Soube da vitória de Trump nos Estados Unidos, quando, lá pelas cinco horas da manhã do dia seguinte à eleição, fui acordada pelo plim, plim,plim vindo de meu celular. No outro lado da linha e do mundo estavam meus amigos alemães brindando uns aos outros com chistes sobre o recém-eleito. Os mêmes que circulavam pelas redes tentando dar conta do susto pelo inesperado que desbancou os institutos de pesquisa de opinião de seu lugar de oráculos cientificamente certificados. Déjà vu. Filme parecido já tinha passado em junho, quando, surpresa, a maioria dos cidadãos da Grã-Bretanha tinham decidido pedir o exit da União Europeia.
Sim. Estamos em tempos de “pós-verdade”, palavra escolhida pelo Dicionário Oxford como sendo a palavra do ano de 2016 e que “denota circunstâncias nas quais fatos objetivos são menos influentes em influenciar a opinião pública do que apelos à emoção e às crenças pessoais”. Quem se importa com fatos objetivos nas redes sociais, espaço, onde dá para curtir, amar, odiar à vontade? Quem insiste no politicamente correto na hora de postar opiniões ou de boquear desafetos do WhatsApp? Tal qual o inconsciente, o terreno das redes sociais é do amar e do odiar, da vida e da morte, de Eros e de Tânatos, como diz Sigmund Freud. E se o inconsciente é o próprio reino do moralmente incorreto, nas redes sociais ele dá o tom.
A pós-verdade na rede ou fora dela só deixa mais evidente que nossas falas são construções linguageiras em torno do grande mistério que cerca o amor e a morte. Sem censura, as palavras circulam, por mais sexistas, racistas, xenofóbicas e homofóbicas que possam ser. Tocam, como diz the Oxford, “a emoção e as crenças pessoais”. Das palavras que tocam, das “verdades mentirosas” nos diz Jacques Lacan em sua Segunda Clínica. As verdades mentirosas são um desafio para a política, para a economia, para o direito e para a psicanálise na contemporaneidade, como disse Jorge Forbes em sua aula de encerramento do curso de psicanálise do IPLA do ano. Pois, para a psicanálise, diz Forbes, há diferença entre o politicamente incorreto, enraizado no inconsciente humano, e o politicamente incorreto que faz uso de palavras que instigam ao racismo, ao machismo e à xenofobia. Palavras podem ser como punhais. Podem “matar” o adversário, deixá-lo sem ação. Pronunciadas no ato psicanalítico, palavras politicamente incorretas podem curar tal como o bisturi na mão do cirurgião cura.
É curioso que viroses e virais nas redes sociais e seus efeitos acabam logo. As pessoas migram: de jogo em jogo, de assunto em assunto, de religião em religião “da hora”. Não será diferente no campo da política. Corrijo. Não é diferente no campo da política. Assim que saiu o resultado da votação a favor do Brexit, por exemplo, muitos britânicos queriam voltar para trás. “Não pensei que fosse sério, o Brexit ”, diziam. Contrário aos sistemas políticos e jurídicos dos Estados, concebidos na modernidade com longos períodos governamentais e legislativos , os posicionamentos morais e éticos da “geração mutante” descrita por Jorge Forbes em Você quer o que deseja? surfa de sofá em sofá. Muda de banda preferida de meia em meia hora. Procura de match em match até encontrarem seu par. Passa na maior tranquilidade de Fora Dilma para Fora Temer . E deixa os pokemons go, quando enjoam do game. Donald Trump que se cuide. Pode muito bem ser que lhe espera sorte parecida com a de seu xará, o Donald Duck, o Pato Donald, quem, na tentativa de se dar bem, só conseguia puxar o próprio tapete.
Dorothee Rüdiger é psicanalista e doutora em Direito pela Universidade de São Paulo
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