Por Italo Venturelli
Na crença de que para tudo há um remédio, há uma tendência ao incentivo do uso de medicações que melhorem a performance da memória, inclusive, de crianças.
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O medo de perder a memória aflige! Ela é um instrumento importante em todas as atividades humanas, desde as mais simples e motoras, até as articulações que envolvem o raciocínio e a dedução lógica nas nossas ações. A memória ordena pensamentos e evoca emoções, despertando afetos.
Na crença de que para tudo há um remédio, há uma tendência ao incentivo do uso de medicações que melhorem a performance da memória, inclusive, de crianças. Nas empresas, o estímulo ao tratamento medicamentoso é para o aumento da produtividade e a redução do sono. Em consultórios, para tratar a queixa daquilo que ocasiona a falta de sono.
Observo no consultório, cada vez com mais frequência, o uso indiscriminado dos benzodiazepinicos. Muitas vezes, são receitados por colegas que desconhecem o mecanismo de ação e reações adversas do remédio. Existe, inclusive, um comércio paralelo, em que alguns pacientes conseguem a “receitinha” azul e a transferem para outrem. Ao término da consulta, vem aquela confissão. “ Ah!… eu faço uso desta medicação. O senhor pode fazer a receita?” Muitos desses pacientes, usuários de benzodizaepinicos, durante a consulta, referem-se a uma grande falta de memória.
Recentemente, tive acesso a um estudo canadense, publicado no periódico especializado BMJ, a respeito do uso de benzodiazepinicos (conhecidos por nomes comerciais como Rivotril, Valium, Lexotan e Lorax) e a doença de Alzheimer. A pesquisa foi realizada pela Universidade de Bordeux, na França, e pela Universidade de Montreal, no Canadá. A conclusão foi a de que a utilização por mais de três meses de calmantes da família dos benzodiazepínicos pode elevar em 51% o risco de desenvolver Alzheimer.
Tal estudo demostra a relação dos benzodiazepinicos com as demências. O objetivo principal foi medir a associação entre a doença de Alzheimer e o uso de benzodiazepínicos. A conclusão foi a de que a utilização de benzodiazepinas está associada a um risco aumentado da doença de Alzheimer. Embora os efeitos dos benzodiazepínicos sejam deletérios sobre a memória e a cognição, a possibilidade de um aumento do risco de demência é ainda matéria em debate.
Guardando a diferença do acometimento da memória, provocado pela demenciação, Freud mostrou que a memória vai muito além do armazenamento e evocação de lembranças. O esquecimento é uma das formações do inconsciente. Expressão do nosso desejo. Aquilo que esquecemos indica algo do nosso paradoxal desejo. Anestesiar a angústia parece não ser a melhor saída. Há outras vias. Convidar o desejo a falar pode ser uma “boa pedida”. Além da neuroquímica, nossa subjetividade tem um papel fundamental com relação ao que queremos esquecer, ao que precisamos lembrar e ao que ansiamos desejar.
Italo Venturelli é neurocirurgião e psicanalista. Diretor-técnico do Hospital Bom Pastor em Varginha – MG.
Fonte: http://setorsaude.com.br/benzodiazepinicos-elevam-risco-de-alzheimer/
http://www.bmj.com/content/349/bmj.g5205