Do lembrar, do esquecer e do amar 08/05/2014

Por Italo Venturelli

As coisas tangíveis tornam-se insensíveis à palma da mão; mas as coisas findas muito mais que lindas, essas ficarão. (*)

Podemos programar nossas memórias? Qual impacto isso teria sobre nossa subjetividade? Apagar ou recuperar a memória ou uma recordação é objeto de estudo de um grupo de pesquisadores militares americanos, que investiga a possibilidade de realização de um implante cerebral. O relato do gerente do programa do DARPA – Agência de Investigação de Projetos Avançados de Defesa, Justin Sánchez, em conferência realizada em Washington, organizada pelo Centro de Saúde Cerebral da Universidade do Texas, afirma: “pensamos que podemos desenvolver dispositivos neuro-protésicos que possam interagir diretamente com o hipocampo para restaurar o primeiro tipo de recordação que apontamos como a memória declarativa”.

A DARPA desenvolve um plano de quatro anos para construir um sofisticado estimulador de memória. O projeto faz parte de um investimento de 100 milhões de dólares, concedido pelo presidente Barack Obama, que visa a fomentar pesquisas de aprofundamento na compreensão do cérebro humano. Diante desse projeto, surgem questionamentos éticos como, por exemplo, se a mente humana pode ser manipulada com o intuito de reparar feridas de guerra ou o envelhecimento do cérebro, assim como quem sofre de demência. Estima-se que as pesquisas poderão ajudar os cerca de 300.000 soldados norte-americanos que sofreram lesões cerebrais graves nos combates no Iraque e no Afeganistão.

A discussão a respeito do tema, poderemos um dia programar nossos sentimentos, nossas lembranças?, já foi retratada diversas vezes no cinema. Você se recorda do filme Blade Runner – O Caçador de Androides? Nele, os robôs que desafiavam o banimento da terra eram capturados pelo chamados caçadores de androides. Caçá-los era um trabalho de difícil execução, pois os robôs, re-programados e exibindo “sentimentos”, confundiam-se com os humanos. Os androides apresentavam um upgrade fantástico. Como “memórias infantis” tinham sido implantadas neles, pensavam que tinham vida; passado, presente e futuro.

É importante lembrarmos que nossas memórias são construídas a partir do que vivemos ao longo da nossa história: momentos de dor, de alegria, de prazer, de desprazer, divertidos, marcantes, de aprendizado e de experiências diversas. O processo que se chama armazenamento da memória é altamente complexo e ocorre em várias regiões do cérebro, em circuitos cerebrais que envolvem inúmeras áreas através das sinapses.

Esse estudo de implante cerebral de memória é inspirado nos marca-passos usados por pacientes que sofrem de problemas cardíacos. Na investigação, seria utilizada uma prótese elétrica para estimular o hipocampo. Outros cientistas da área consideram que podem melhorar a memória de uma pessoa ajudando o cérebro a trabalhar de forma similar à que trabalhava antes de sofrer a lesão cerebral. Será possível restaurar recordações de soldados e pacientes com problemas neurológicos? Querer esquecer e não lembrar não é a mesma coisa, já que existe uma diferença entre o psíquico e o cerebral.

Não é de difícil previsão que a manipulação das lembranças de uma pessoa abrirá um campo de batalha ético. Ao final do filme O caçador de andróides, o caçador sente-se atraído pela caça, apaixonou-se. Assunto para se pensar… Você quer manipular suas memórias? Esquecer o primeiro beijo? Esquecer o momento em que você viu o mar? Esquecer as perdas e os danos? Esquecer que foi amado e amou?

Italo Venturelli é neurocirurgião e psicanalista.

(*)Memória – Carlos Drummond de Andrade