Do enrolation ao portunhol, o brasileiro dá o seu jeitinho 08/07/2014

Por Maralice de Souza Neves

O brasileiro aposta na amizade, laço afetivo do mundo horizontal pós-moderno

Aeroporto de Confins no sábado, 28 de junho, dia do jogo do Brasil contra o Chile. Chego para embarcar enquanto observo curiosa a intensa movimentação das pessoas chegando e buscando saber como chegar ao Mineirão. Sou abordada por um aflito funcionário do aeroporto que me pergunta “A senhora fala inglês? Respondo “Sim” e ele dispara “Por favor me ajude a explicar a eles…”, e se volta  para  os três jovens rapazes ingleses que me olharam com alívio, dois deles vestidos com camisas da seleção brasileira. O funcionário queria que eu lhes dissesse como funcionava o sistema de trancamento do guarda-volumes. Só poderiam abrir uma única vez. Os “gringos” já haviam entendido e tentavam explicar que só voltariam à noite, após o jogo, para tomarem seus vôos e não precisariam abrir mais o guarda-volumes. Por via das dúvidas, cumpri o meu papel de mediadora. Traduzi o óbvio, deixei-os satisfeitos e agradecidos e fui-me, com a feliz sensação de ter ajudado o aflito funcionário a resolver seu problema funcional de comunicação.

Aconteceu de eu estar à mão para que aquele solícito senhor pudesse dar o seu jeitinho, mas o que tem se mostrado muito mais interessante são as manifestações do enrolation, as variadas tentativas de comunicação entre as pessoas que se esforçam por ajudar ou fazer amizade com os “gringos”. A  Copa chega nas quartas de final, e nossos ouvidos se acostumam aos sons do “enrolation” e do “portunhol” por todos os lados. Não importa de que modo, o que vale é o mote do velho Chacrinha, hoje desconhecido da  moçada alegre, “quem não se comunica, se estrumbica”.

Vemos acontecer, em sua plenitude, as previsões que pulularam na mídia jornalística, como na frase do jornalista capixaba Lino Resende, “O fato é que durante a Copa do Mundo irá rolar muita “embromation” e “enrolation” quando se tratar de conversas entre brasileiros e estrangeiros”. Essa afirmação, mesmo trazendo aquele ar de pessimismo que antecedeu a Copa, só provou, como ressalta Jorge Forbes, que ao invés de se sentir péssimo, o brasileiro aposta na amizade, laço afetivo do mundo horizontal pós-moderno.

O semanário Veja comenta, na reportagem de Leslie Leitão, o conceito do  Soft Power, delineado nos anos 90 pelo cientista político americano Joseph Nye. O termo passou a ser usado na diplomacia para definir a competência de um país em conseguir o que deseja por meio de sua cultura e de sua imagem de simpatia. E o Brasil tem provado ser um poderoso laboratório de Soft Power nesta Copa.

Essas pequenas atitudes de gentileza marcadas pela informalidade e pela cordialidade é o cimento do laço social brasileiro, afirma Forbes. O que vemos, portanto, de acordo com a psicanálise do século XXI, é a manifestação da legitimidade do inconsciente, capacidade atribuída aos brasileiros. Eles sabem experimentar, como nenhum outro povo, a deliciosa sensação de liberdade que a brincadeira com outros sons lhe proporciona no gozo da afetividade para com os visitantes.

Assim, quase intuitivamente, mais uma vez fizeram do “jeitinho brasileiro”, no fazer e no falar, o seu saber-fazer com o inconsciente: resta agora saber como o “The zoeira never ends” fará efeito depois do resultado da partida brasileira nas quartas de final.

Maralice de Souza Neves é professora na Faculdade de Letras da UFMG e membro do corpo de formação do IPLA