Por Alain Mouzat
A trajetória de uma pessoa é determinada por seus genes? Não. O estudo da epigenética mostra que não há um caminho unívoco entre os genes e sua expressão genética. Basta observar os gêmeos univitelinos, que possuem o mesmo genoma, mas o realizam de forma diversa
O epigenético ganha destaque. Toda a parte não codificadora do DNA que havia sido jogada no lixo volta com força total para renovar a esperança da decifração do humano. Até o final de 2012, cerca de 30 artigos foram publicados nas mais prestigiosas revistas científicas (Nature, Science, Genome Biology , Genome Research) sobre os resultados do projeto internacional Encode (Encyclopedia of DNA Elements) que resolveu enfrentar o mapeamento da área que era considerada sem relevância para determinação genética, mas que, no entanto, representa 98% do nosso genoma.
Se inicialmente o sequenciamento do genoma tinha sido anunciado como promessa de revelação de todo o destino humano incrustado nos genes, logo se percebeu que o determinismo estreito não resistia à evidência: não há entre o gene e sua expressão genética um caminho unívoco. Os gêmeos univitelinos já o ilustravam; portadores de um mesmo genoma o realizam de modo diverso.
Afinal, qual é a pergunta? Podemos reformular a partir da clínica que observamos no Centro do Genoma Humano da Universidade de São Paulo, dirigido pela Dra. Mayana Zatz: se cada um é determinado por seus genes – a cor dos olhos, as doenças que desenvolverá – como portadores dos mesmos genes não desenvolvem da mesma forma uma distrofia, por exemplo? Como um portador de uma anomalia genética mais pronunciada será menos afetado que outro que não tem, no entanto, o grau tão elevado de anomalia genética?
A explicação é que certos genes, apesar de presentes, são silenciados, não “se expressam”.
Daí a importância de se entender o funcionamento do “epigenomo”, de se estudar como os fatores – meio ambiente, história individual – podem influenciar na expressão dos genes.
Foi com esse intuito que o Encode empreendeu mapear os 98% de DNA “lixo” na procura por repostas. Depois de oito anos de pesquisas, o projeto Encode produziu 15 bilhões de bytes de dados. A quantidade de informações e a multiplicação dos fatores trazem mais reflexão sobre a abertura de novos campos de pesquisa do que respostas.
Levar em conta a importância da epigenética abre efetivamente múltiplas perspectivas. Porém, nos obriga a renunciar ao determinismo biunívoco, e a pensar o que o eminente biólogo britânico e diretor da cadeira de fisiologia computacional da Universidade de Oxford, Denis Noble, em seu livro A música da vida chama de dupla causalidade, ao mesmo tempo ascendente (dos genes para o organismo) e descendente (do organismo para os genes).
A pergunta da genética pode assim ser reformulada: oque faz que cada um seja cada um? Absolutamente singular?
Formulada dessa forma, a pergunta permite entender como a Clínica Psicanalítica dirigida por Jorge Forbes pode ter lugar em um centro de pesquisa genética: tanto uma quanto a outra visam apreender o singular. As respostas, por certo, são diferentes, e dependo de vias de acesso que parecem pouco conciliáveis: a psicanálise e a genética. Será?
Em uma entrevista à BBC Mundo, em 9 de novembro de 2012, o Dr. Manuel Esteller, diretor do Programa de Epigenética e Biologia do Câncer do Instituto de Investigação Biomédica del Bellvitge, de Barcelona, usava da metáfora para explicar o salto epistemológico introduzido pela incorporação da dimensão epigenética: “em 2000, diz ele, podia-se pensar o genoma como um livro cheio de letras, mas não havia separação entre as palavras, acentos gramaticais, maiúsculas [ …], agora estamos inserindo os sinais de pontuação e de ortografia”.
As metáforas dos cientistas revelam a mudança da escala de complexidade: se em 2000 se falava em “código” e “ programa”, em uma esperança de decifração do humano, a maior consciência sobre a epigenética introduziu as metáforas textuais: “ pontuação”, “espaços entre as palavras”, “ acentos”…
Pouco falta para se chegar ao poema…