Por Gisele Vitória
O psicanalista Jorge Forbes resumiu, nesta entrevista à jornalista Gisele Vitória, o sentido e a ordenação da Conversação Clínica “Sintoma, Para Que Te Quero?”, realizada pelo IPLA (Instituto da Psicanálise Lacaniana), entre 9 e 11 de dezembro, na Pousada do Quilombo, em São Bento do Sapucaí (SP), sob o céu ensolarado e vista para a Pedra do Baú:
Como ligar todos os temas dessa conversação? O que ligaria o cinema à UTI de um hospital, o vício das drogas ao fenômeno de crescimento das igrejas pentecostais e os dilemas da genética aos novos movimentos da mulher? Esse conjunto tão diverso põe na UTI a vida na pós-modernidade?
Jorge Forbes – O que liga tudo é o sintoma na pós-modernidade. Neste amplo leque de temas, da questão das drogas à nova presença da mulher no mundo e tantos outros temas abordados, a gente viu e reviu os novos efeitos do sintoma na era da globalização.
Para começo de conversa, por que abrir a jornada com o tema cinema?
Forbes – Casou muito bem a exposição apresentada pelo psicanalista argentino Juan Jorge Michel Fariña, o Illya, no começo da conversação. Ele trabalha dessa maneira, unindo o cinema aos temas contemporâneos. O trabalho dele é discutir a ética pós-moderna da psicanálise por meio dos filmes. O cinema tem o poder de, ao contar uma história, fazer com que cada pessoa se veja naquela situação e conte a sua história, na sua própria narrativa. Se você sair com um grupo de 10 pessoas, depois de ver um filme, em cinco minutos de conversa serão 10 filmes diferentes, mesmo que todos tenham visto o mesmo longa-metragem. O cinema tem essa força.
De que forma o cinema amarra as múltiplas formas do sintoma na pós-modernidade?
Forbes – Eu diria que o cinema amarra, sim, porque as pessoas sofrem de serem pessoas de um filme só. Quando você começa a perceber, em sua análise, que pode contar o filme de diversas formas, você muda a sua posição subjetiva e se faz responsável na versão que você quer dar ao seu próprio filme.
Então, como sintoma, as pessoas antes pensariam: “Já vi esse filme…”
Forbes – E aí você se cansa do filme da sua neurose. É quase como se estivéssemos diante de um paciente que chega ao consultório e diz: “Eu não aguento falar mais sobre isso. Eu já vi esse filme”. E aí, você, analista, pode responder: “Pelo visto você ainda aguenta muito bem. Porque continua vendo o mesmo filme”.
Houve um sentido de escolher a medicina como um dos painéis para compor a temática dessa conversação? Por que a ideia de trazer o trabalho de um profissional da UTI e os dilemas de um neurocirurgião?
Forbes – Sim, houve um sentido, se levarmos em conta a forma como as pessoas estão lidando com as urgências da pós-modernidade. E a medicina está indo por um caminho diferente da psicanálise. Nós achamos que ela pode desaparecer por causa disso. A medicina vai se transformar num aparato técnico. Porque ela está anulando a subjetividade. Principalmente a psiquiatria, por um lado. Por outro lado, vimos aqui relatos de psiquiatras, neurologistas, neurocirurgiões e intensivistas, com discursos que dizem o contrário. Foram discursos que destacaram a importância da associação de suas rotinas com a psicanálise. Isso não é pouca coisa. Tivemos aqui o médico responsável pela UTI neurológica do Hospital das Clínicas de São Paulo, Edwin Koterba, e ele propõe um trabalho analítico lá dentro como algo fundamental. Isso, por si só, avança muitíssimo. E é hoje uma fala que, para muitos, seria quase surrealista.
Na mesma linha, o neurocirurgião Ítalo Venturelli coloca questões tão humanas na urgência das suas decisões num centro cirúrgico. Por quais sintomas este neurocirurgião é rodeado?
Forbes – Como ele disse, operar é o de menos. O problema é tudo o que envolve o ser humano ser operado. “Operar eu sei”, esta foi a fala dele. “O que eu não sei é todo o resto. Só que todo o resto modaliza a minha operação.”
O que diferencia o sintoma na pós-modernidade do sintoma na modernidade?
Forbes – Nessa conversação, nós nos debruçamos na forma de tratar esses novos sintomas da pós-modernidade. O sintoma na pós-modernidade é o sintoma que você não decifra. O sintoma na modernidade, você decifra. É o sintoma freudiano que, por excelência, você acabava compreendendo e esta compreensão o desfazia. O sintoma na pós-modernidade é um sintoma duro, sobre o qual você tem que inventar e se responsabilizar.
Gisele Vitória é jornalista, colunista da revista IstoÉ e diretora de núcleo das revistas Planeta, IstoÉ Platinum, da Editora Três
Deixe um comentário
Você precisa fazer o login para publicar um comentário.