Por Dorothee Rüdiger
Reflexões sobre o direito de os casais homossexuais adotarem filhos
Dois homens ou duas mulheres apaixonam-se, namoram e resolvem viver juntos. Com um lar constituído, vem o desejo de ter um filho, ou dois. E agora? Será que os casais do mesmo sexo têm o direito de adotar filhos? Eis um tema bastante controvertido. Embora o Supremo Tribunal Federal tenha reconhecido a união estável homossexual há dois anos, a decisão parece clara do ponto de vista jurídico, mas ainda divide opiniões. Parte da sociedade reluta em aceitar que uniões homoafetivas possam ser a base de uma família.
Há dois anos, o Supremo Tribunal Federal julgou uma Ação Direta de Inconstitucionalidade, que colocou em questão a licitude do art. 226 da Constituição Federal. Nele, a união estável entre homem e mulher aparecia – e, aliás, ainda aparece – como um dos alicerces da família brasileira. Da forma como foi redigido, esse artigo, até hoje não reformado pelo legislador, fere o princípio da igualdade perante a lei. O Supremo pronunciou-se nesse sentido, e permitiu o reconhecimento da “união estável homoafetiva”. Os ministros e as ministras foram felizes em acentuar o lado afetivo dessa forma de convivência. Segundo essa concepção, é a partir do amor entre duas pessoas que nasce uma união, e não do sexo!
Uma vez reconhecida a união estável, creia-se, há o direito desse casal adotar filhos, certo? Afinal, o Estatuto da Criança e do Adolescente concede esse direito a todos os maiores de 18 anos e aos casais, independentemente de estes serem constituídos por casamento ou união estável.
Mas, para parte da nossa sociedade, ainda prevalece uma visão burguesa e higienista da vida familiar, tal como prevista no Código Civil de 1916, que, aliás, não está mais em vigor desde 2003. Para essas pessoas, a família constitui-se por casamento, e quem manda nela é o pai. Tempos passados? Talvez não. Uma rápida passagem pela banca de jornal nos permite perceber que a lógica do homem poderoso e da mulher objeto não foi totalmente superada – a mesma lógica que determina que é a partir do sexo, e não do amor, que se constitui uma união.
O reconhecimento da união estável homoafetiva e do direito de casais homossexuais adotarem filhos rompe com essa visão arcaica. Amor e afeto apresentam-se independentes dos órgãos sexuais. A psicanálise, desde Sigmund Freud, foca a questão da sexualidade na castração e no desejo, não em uma dimensão biológica, mas sim em uma dimensão cultural. Para a psicanálise, ser homem ou ser mulher é um dado cultural, como diz Lacan. Mais ainda, a psicanálise descobriu que não há um padrão para a felicidade no amor. Cada um tem uma Liebesbedingung, uma condição sob a qual se sente amado.
Amar e ser amado. Não é disso que se trata também na relação entre pais e filhos? Ter uma família é um direito humano garantido pela Convenção dos Direitos da Criança da Organização das Nações Unidas. A longa fila de crianças e adolescentes à espera de adoção pode acabar – ou ao menos diminuir consideravelmente. Basta deixarmos o preconceito de lado.