Por Adriana Ricci
Ajudar um jovem a escolher uma profissão passa por convocar esse sujeito, atravessado pelas influências culturais, sociais, econômicas e políticas, a criar o seu projeto singular
Imagine-se com quinze/dezessete anos e tendo de escolher, atualmente, algo para a vida. Imagine que se você pensa em cursar uma faculdade, pode estar numa escola que o convida a escolher entre três áreas já durante o Ensino Médio com foco no vestibular: Humanas, Biológicas e Exatas. Você tem ainda, “à disposição do seu desejo”, mais de duzentas opções de curso superior, se pretende ficar no Brasil. Só até aqui, já contamos três decisões importantes e, longe de serem fáceis, tendo o futuro como horizonte: fazer faculdade ou não; grande área de interesse e curso na faculdade. A essas decisões se juntam outras, tais como: em qual faculdade? e em qual cidade?
Imagine que até pouco tempo você não considerava a possibilidade de ingressar numa faculdade, por questões financeiras ou por ser desafiado por um ensino público que não prepara para os vestibulares. Imagine que agora você pode ou ter acesso a uma universidade pública, por meio do SISU (Sistema de Seleção Unificada), ou a uma universidade privada, por meio do PROUNI (Programa Universidade para todos). Imagine também que esta é a primeira vez em que você tem um tempo contado para realizar uma escolha e a primeira vez que “para a vida toda”, extrapola o campo da sua relação com os #bestfriendsforever.
Semanalmente, tenho contato com adolescentes que, movidos pela angústia (deles próprios, dos pais, dos colegas), buscam ajuda para encontrar resposta à pergunta até então divertida: o que você vai ser quando crescer?
Aos olhos da psicanálise, trata-se de um momento ímpar e um privilégio para o convite para a desalienação do Outro num “combo” de efeitos subjetivados do mundo contemporâneo desbussolado. Estamos, neste momento, diante da geração que cresceu no mundo VUCA – sigla em inglês para Volatility, Uncertainty, Complexity e Ambiguity. Os que não acompanharam a volatilidade, a incerteza, a complexidade e a ambiguidade foram os instrumentos para essa escolha. Esses ainda têm a pretensão de serem rígidos e estáveis: família (qual família?), sucesso (o que é sucesso?), dinheiro (dinheiro para que?). Como se escolhe neste cenário? Com um teste? É o que muitos esperam.
Para parte desses jovens, o momento da entrevista de Orientação Profissional é a primeira vez em que são convidados a elaborar uma narrativa que fale exclusivamente deles. Um ouvido desatento pode legitimar um discurso alienado. Um ouvido cuidadoso, como propõe a psicanálise, se dispõe a não legitimar aquilo que vem perfeitamente enlatado e robotizado na reprodução da fala de um Outro.
Ao se criar um espaço para que se fale do desejo, há uma pausa, há um silêncio, há um desespero vibrante. Vibrante pela possibilidade (mais uma!) de se ouvir e de se pensar. Afinal, o que se deseja?
Alguns sustentam o sonho dos pais para a carreira. Outros se deparam com o fato de não terem ideia do que gostam e não saberem falar sobre o que sonham. Outros sofrem afirmando que é muito difícil escolher, dentre as tantas possibilidades existentes hoje. Outros sonham, nostalgicamente, com uma época (que não viveram) em que não havia assim tantas possibilidades e, com elas, tantas dúvidas. Outros dizem que precisam de mais tempo. Outros chegam decididos, mas preferem confirmar. Outros já sabem o cargo que querem ocupar e alguns na empresa x ou y. Outros afirmam aliviados que escolher uma faculdade não significa escolher uma carreira, já que uma mesma faculdade pode levar para caminhos muito diferentes.
O mesmo mundo volátil, incerto, complexo e ambíguo que angustia oferece um alívio, mesmo que ilusório: se por um lado empurra os jovens para a responsabilidade de pensarem em algo para a vida toda (sim, eles ainda pensam em algo para a vida toda) a partir de seus desejos singulares (único ordenador que não lhes escapa), por outro, garante que é possível mudar a rota, já que tudo muda e é tão incerto.
Mas, de novo, como se escolhe neste cenário? Há que se construir, há que se inventar um modo singular de escolher e responsabilizar-se por ele. Uma coisa é certa. A fórmula de causalidade tornou-se obsoleta: “Se eu fizer Medicina, então terei dinheiro e status”. Será? O que se entende por status hoje pode desaparecer daqui um tempo. Não há garantias.
Nesse cenário, ajudar um jovem a escolher uma profissão passa por convocar esse sujeito, atravessado pelas influências culturais, sociais, econômicas e políticas, a criar o seu projeto singular. Convocá-lo a confiar na sua “capacidade de viração própria”, sustentada pelo desejo e pelo convite de fundar, a partir desse desejo, o seu projeto de ser no mundo.
Em tempo, acabo de ler duas reportagens: uma a respeito do projeto de mudança do Ensino Médio em São Paulo, prevista para 2016, com grade optativa para os alunos escolherem e exercerem seu “protagonismo” a partir do 2o ano(1); outra acerca de um estudo da Universidade de Oxford que estimou a possibilidade de robotização de 702 ocupações nos próximos vinte anos e coloca na berlinda metade das ocupações da União Europeia(2).
Já dizia a canção, “tudo muda o tempo todo no mundo”!
(1) http://bit.ly/1G1Q91o (2) http://abr.ai/1FNbnwJ
Adriana Ricci é consultora de Recursos Humanos, psicóloga (USP), coach (SBC), aprimoranda em Orientação Profissional e de Carreira (USP) e aluna do Curso de Formação do IPLA.