Por Claudia Riolfi
Ao meu pai, Silvio Riolfi
Chorei, de lágrimas, ao ler a dedicatória que Matthew Vaughn (sim, aquele que tem uma Claudia para chamar de sua, no caso, a Schiffer) fez no filme Kingsman: The Secret Service (Fox Filmes, 2015), em cartaz, em várias salas de cinema, a partir de fevereiro. Podem zoar: sim, eu me emocionei com a dedicatória feita para a mãe dos outros. Para além da zoeira (também eu ri de mim), a surpresa das lágrimas pediu psicanálise. Por que a escolha do cineasta foi capaz de me tocar tanto?
Vaughn dedicou o filme a sua mãe Kathy Ceaton, morta em julho de 2013. Inicialmente, sua escolha pode parecer estranha, pois, à primeira vista, estamos comentando um filme “de homens”, no qual as mulheres têm pequeno protagonismo. Não teria sido mais “natural” homenagear a mãe morta com um filme que tivesse uma grande dama como seu centro? Não seria mais “adequado”, por exemplo, filmar a biografia de uma personagem feminina histórica e, assim, homenagear a mãe de modo mais evidente?
Para quem (ainda) não assistiu, Kingsman é um filme de superespiões ingleses que salvam o mundo enquanto sustentam os mais altos valores morais e éticos. Ao contrário de alguns homens de ação que parecem obter prazer em uma postura mais “cafajeste”, os membros do Kingsman trabalham duro como se não estivessem fazendo nada. Não querem louvores. Não buscam o reconhecimento do outro. Não expõem ninguém. Não se vangloriam. Você não consegue imaginar um deles bisbilhotando, fofocando, intrigando, cedendo a qualquer tipo de coisa que os coloque à mercê do gozo alheio. Um Kingsman nada de braçada no campo do desejo. Sua posição subjetiva está expressa em seus codinomes, retirados das novelas de cavalarias.
Apaixonei, perdida e irrevogavelmente, pelo personagem Harry-Galahad (Ufa! Interpretado com o sotaque de Colin Firth, para acrescentar sal e pimenta). Pareceu-me, de fato, a versão contemporânea do retrato que Alfred Tennyson fez, em 1842, em Sir Galahad.
(Só para dar o gostinho, vão as primeiras quatro linhas:
My good blade carves the casques of men,
My tough lance thrusteth sure,
My strength is as the strength of ten
Because my heart is pure.).
Em minha opinião, muito personalíssima, o espião é tudo o que se poderia esperar de um homem e de um pai. Sua acolhida ao jovem que o substituirá na ordem das gerações é irretocável. Ele está seguro de seu lugar. Não rivaliza. Não cede aos empuxos do gozo. Sabe de sua mortalidade e da necessidade de ocupar um lugar na ordem das gerações. O resultado de sua escolha é que Harry-Galahad pode oferecer ao jovem que o substituirá o luxo de poder fazer escolhas.
Ao se tornar um Kingsman, Egsy-Galahad (o jovem) funda sua singularidade, sustenta sua diferença e não abre mão, em nada, das regras comuns do cavalheirismo e da gentileza. Ao não deixar de ser homem, Harry-Galahad soube fazer nascer outro homem, para o deleite das mocinhas, que não vão precisar ficar perguntando, perplexas: – Onde estão os machos desse planeta?
Posto isso, voltemos às minhas lágrimas. Por que chorei? Por que, para explicar sua dedicatória, o diretor agradeceu a sua mãe, por, no dia-a-dia, ter feito com que ele compreendesse o que ser um Kingsman significa. Dessa declaração, podemos inferir que Kathy Ceaton sabia apreciar os cavalheiros. Sabia, ainda, da necessidade de trabalhar para que o mundo não fosse privado da presença deles. Como ela, por sua vez, pôde aprender essa lição? Entendi: talvez, de um jeito muito retorcido, meu choro fosse uma homenagem ao meu pai, morto em maio de 2014. Sem dúvida, devo a ele poder apreciar os filmes, os espiões, as obras, essas coisas de homem.
Claudia Riolfi é Psicanalista e Professora Livre-docente da Universidade de São Paulo.