Depressão pós-parto 28/05/2015

Por Elisa Padovan

O que teria a depressão a ver com a suposta alegria que cerca o nascimento de um bebê?

A imagem romântica da mãe, representada no amor completo pelos filhos e em sua total plenitude com a experiência da maternidade, é uma construção social recente. Até meados de 1760, as mães tinham o costume de deixar seus filhos sob os cuidados das amas de leite e isto estava longe de ser visto como um ato de abandono ou rejeição às crianças. Aos poucos a ideia de mãe que conhecemos hoje começa a ser traçada. Um livro considerado marco dessa mudança sobre a maternidade foi Émile, de Rousseau. Nesse livro, o autor frisa a inadequação de deixar a criança com alguém que não a mãe e inicia-se a partir daí uma mobilização em prol da educação e da mãe ideal. Vale aqui uma ressalva, não se trata de entrar na questão do que é certo ou errado, porém destacar que há um momento no qual a sociedade passa a exigir da mulher-mãe uma dedicação ligada a um dom natural e automático para a maternidade. A ideia de que a maternidade deve ser um dom natural, ligada ao instinto, passa a ser transmitida de geração para geração e, desde pequenas, as meninas treinam brincando de bonecas como ser uma boa mãe.

Acontece que quando a maternidade é vivenciada, a maioria das mulheres prova sentimentos contraditórios e angústias que não encontram correspondência nas idealizações culturais. É a partir desse sentimento paradoxal entre o ideal e o vivido que uma mulher, mais propensa a desenvolver um transtorno depressivo, pode experimentar um profundo sofrimento, e, eventualmente, chegar a desenvolver a depressão pós-parto. Não podemos considerar que a doença se instale apenas por essa razão, entretanto, o mito da mãe perfeita pode colaborar para que uma ambivalência de sentimentos transforme um momento de suposta alegria em um cenário de vazio, tristeza, sensação de culpa e incapacidade.

A maternidade é uma experiência que mobiliza o desejo feminino. Um filho vem inscrito inicialmente no desejo particular da mãe. O desejo é singular, paradoxal, não responde a padrões e bom senso, está ligado à história de vida da pessoa, às identificações àqueles que amou e às contingências as quais ela está ligada. Os afetos relacionados à maternidade são contraditórios. O corpo da mulher passa por uma mudança radical, isso não é sem efeitos no seu psiquismo. Para cada mulher a maternidade terá uma significação própria. Está ligada a sua própria experiência de filiação. A imagem da mãe perfeita não corresponde a gama de afetos e conflitos que envolvem esse momento de vida. Sentimentos de frustração e culpa podem surgir, principalmente, quando a mãe se dá conta de que não está feliz e satisfeita como julgava que estaria ou “deveria” estar com o nascimento de um filho.

Algumas vezes, o mal-estar, o sentimento de perda e o sofrimento subjetivo que ocorrem nesse momento ganham expressão no adoecimento depressivo. Pensar que já nascemos prontos para algo na vida e que devemos seguir regras e expectativas correspondendo a construtos sociais pode, aparentemente, funcionar nas novelas, nos livros de autoajuda ou nas propagandas de televisão, mas na “vida real e de viés”, isso pode ser um dificultador diante de uma experiência amorosa e subjetiva, única, como a maternidade. 

Elisa Padovan Camillo é psiquiatra formada pelo Hospital do Servidor Público Estadual e membro da equipe do Instituto da Psicanálise Lacaniana – IPLA.