Por Hélio Teixeira Dias Netto
A Psicanálise tem o papel de reapresentar ao cliente as suas queixas e implica-lo como agente modificador do seu presente e inventor do seu futuro
O cliente chega ao pronto-atendimento e se acomoda. Espera pacientemente sua vez. Então o próximo é chamado e este adentra o consultório.
“Doutor, tenho dores na cabeça. Meu estômago fica ruim e chego a vomitar. Por vezes sai sangue. Estou preocupado, por isso vim aqui.”
Prossigo com a anamnese.
“Estou com problemas sérios em casa, doutor.”
Inicio a aferição da pressão. Ausculto seus pulmões e coração. Palpo o abdome.
“Começou depois que descobri que minha esposa estava me traindo, doutor.”
Oriento acerca da pequena gravidade de seus sintomas. Concluo as anotações da ficha de atendimento. Prescrevo um analgésico e um protetor gástrico. Libero o cliente com a receita e chamo o próximo.
Esta é a rotina do pronto-atendimento, de forma simplificada. O tratamento puramente das queixas físicas de um cliente. O distanciamento do médico em relação a uma gama de males que afligem o cliente e não podem ser resolvidos com medicamentos.
Seria este o resultado dos hábitos da busca pela resolução rápida de problemas? A fragmentação promovida pela subdivisão em especialidades de atendimentos e prestação de serviços em saúde? A lógica da linha de montagem, que desvaloriza a pessoa, concebendo a saúde como produção? A superficialização das queixas do cliente ou a não-investigação dos aspectos que vão na contramão dos lucros à medicina atual?
Há inúmeras expectativas do cliente que podem ser levadas em consideração. No entanto, a conduta do médico responde a somente uma delas, e de forma ineficaz e paliativa, uma vez que os sintomas do paciente persistirem, modificar e evoluir.
A Psicanálise tem o papel de reapresentar ao cliente as suas queixas e implica-lo como agente modificador do seu presente e inventor do seu futuro. Pode também contribuir para a formação do médico no tocante a escuta da demanda e a resposta ou não a esta, bem como a satisfação paradoxal dos sintomas. Falta à Medicina, por vezes, a abordagem sobre o humano naquilo que o faz humano, sua dimensão de desejo. Jacques Lacan em uma conferência intitulada O lugar da psicanálise na medicina, 1966, afirmou: “É no registro do modo de resposta à demanda do doente que está a chance de sobrevivência da posição propriamente médica. A demanda não é absolutamente idêntica ao desejo; é por vezes diametralmente oposta àquilo que se deseja… Existe um desejo porque existe algo de inconsciente, algo da linguagem que escapa ao sujeito em sua estrutura e seus efeitos; há sempre no nível da linguagem alguma coisa que está além da consciência. É ai que pode se situar a função do desejo.”
Destaco a função do médico que não só trate o corpo doente, mas saiba ouvir as demandas lançadas durante a consulta, orientar e encaminhar a um serviço onde o cliente possa encontrar um tratamento compatível ou tratar dos sintomas de forma a não somente reduzi-los a expressões orgânicas. Ressalto a importância do retorno da Medicina a sua essência, tal como foi concebida há milhares de anos, um exercício de arte, com o intuito de cuidar do sofrimento do corpo e da alma.
Hélio Teixeira Dias Netto é estudante de Medicina.
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