Por Alain Mouzat
A sexualidade humana está longe de se limitar ao exercício do órgão dito “sexual”, considerá-la assim seria reduzi-la à necessidade biológica
A “questão sexual” é, sem dúvida, o assunto que alimenta majoritariamente os consultórios dos psicanalistas. Nisso a “deficiência” tem pouco a ver: de alguma forma somos todos “deficientes”, isto é, desprovidos de modelo ideal, mesmo que ao sabor das contingências possamos encontrar nossa felicidade. As dificuldades que cada um experimenta se encontram multiplicadas para um “deficiente”, de forma a fazer aparecer a muitos que não há possibilidade para ele de encontrar satisfação dessa ordem: limitações de movimentos, dificuldades de lidar com a imagem do corpo próprio e, portanto, exercer sedução para o outro etc., etc…
Essa “evidência” levou associações de deficientes e parentes de deficientes a pedir o reconhecimento formal do seu “direito à sexualidade”, e que se tomem medidas legais para garanti-lo.
Assim, na França, a câmara dos deputados acaba de rejeitar um projeto de lei visando a autorizar as pessoas deficientes grave a recorrer para aceder ao prazer, à sexualidade e ao serviço de profissionais especializados.
Em artigo recente, Le Monde lembrava que esse serviço existe nos Estados unidos, desde 1980, e em alguns países da Europa. Na Suíça, particularmente, foram formados “assistentes sexuais”, uma turma de 10 e, desde 2009, 80 pessoas (homens na sua grande maioria) recorreram ao seu serviço. O parlamento francês, na sua apreciação, julgou que a sociedade não podia se encarregar da sexualidade das pessoas.
Essa decisão foi acolhida com acusações de conservadorismo e de falso moralismo.
O que a psicanálise tem a ver com isso?
Nada e tudo.
Nada: a psicanálise está fora de qualquer solução da sexualidade “para todos”, de uma solução genérica e ainda mais institucionalizada. A sexualidade humana está longe de se limitar ao exercício do órgão dito “sexual”, considerá-la assim seria reduzi-la à necessidade biológica. Necessidade e desejo não passam pelos mesmos caminhos…
Tudo, enfim, porque para a psicanálise cada um tem a responsabilidade de não ceder sobre seu desejo e de se confrontar com sua mais íntima forma de satisfação. Nisso ela tem muito a fazer, para cada um, seja ele deficiente ou não…
Alain Mouzat é professor da Universidade de São Paulo, doutor em linguística, e psicanalista membro do Instituto da Psicanálise Lacaniana