Por Dorothee Rüdiger
Ator e espectador, psicanalista e paciente: paralelos
Desde os tempos nos quais Sigmund Freud procurou o acesso à “outra cena”, da qual diz ser o inconsciente, o teatro e a psicanálise têm uma ligação íntima. Por isso, talvez, encontros entre artistas e psicanalistas, “de cena à cena”, rendam bons momentos como aqueles vividos no Instituto da Psicanálise Lacaniana na última segunda-feira, dia 23 de setembro, quando os integrantes do Corpo de Formação em psicanálise receberam a visita dos integrantes do grupo teatral TAPA. O diretor Eduardo Tolentino e os atores Zécarlos Machado e Brian Penido Ross participaram de um debate sobre a peça Retratos Falantes, em cartaz até este final de semana no Teatro de Arena Eugênio Kusnet.
“Como pessoas ordinárias podem ter estórias extraordinárias?” Boa pergunta! O dramaturgo Alan Bennett a transformou em quadros para a televisão e, posteriormente, em peça de teatro. Os Talking Heads, (a série de monólogos que formam a peça) aparentemente tratam de “banalidades”, de “informações tumultuadas” na cabeça de quem vive uma vidinha medíocre. A peça toca o espectador. Mais que isso, provoca reações emocionais e físicas: faz rir, chorar, gritar. Alguns afastam-se, outros aproximam-se. O espectador é convidado a se deparar com o que há de estranho e de macabro em seu íntimo. A peça assusta pela banalidade do mundo e de seus personagens. E a banalidade, como quer Hannah Arendt, é a raiz do mal. Wilfred, o guarda pedófilo do parque, personagem interpretado por Zécarlos Machado é tão gentil! Ama as criancinhas.
Já Graham, o solteirão “fofo” que não sai da casa da mãe esclerosada, personagem vivida por Brian Penido Ross, vive sua vidinha dentro de quatro paredes, no contexto de uma sociedade que além do consumo e do conforto não preza nada. Nessa vida não há relevância. Não há singularidade, como diria o psicanalista anfitrião Jorge Forbes. Graham revela o quanto, apesar do conforto, podemos ser miseráveis. Que o diga a nova classe média brasileira que, apesar de mais acesso ao consumo, não encontrou no crediário em um dos grandes magazines a tão sonhada felicidade! Pelo macabro e pelo banal, a peça toca.
Ora, tocar o outro com palavras e gestos em seu estranho íntimo é a arte de quem pratica a psicanálise orientado pela segunda clínica de Jacques Lacan. Assim, tal como para Jacques Lacan é imprescindível a presença do analista para que haja psicanálise, para o diretor Eduardo Tolentino é imprescindível a presença do ator no teatro. Diferentemente do cinema e da televisão, onde há uma distância entre o artista e o espectador, o encontro entre as atores e espectadores no recinto do teatro causa estranhamento, causa afetos, reações. Assim, tal como quem sai de uma sessão de análise, o espectador que sai de um bom espetáculo de teatro, nunca mais será o mesmo.
Dorothee Rüdiger é psicanalista, doutora em Direito pela Universidade de São Paulo