Por Alain Mouzat
Na psicanálise, descobre-se logo que a verdade é da mesma ordem do semblante
Os semblantes, as aparências, parecem galopar hoje soltos e invasivos, alguns ainda pensam escapar, como essa menina destaque das redes sociais que afundou o próprio perfil de 700 000 seguidores, denunciando, em nome da vida verdadeira, toda a falsidade em que se baseava seu perfil que tinha feito tanto sucesso. Na verdade, ganhou com isso outra vida nos veículos tradicionais de comunicação… vida de verdade? Na psicanálise, descobre-se logo que a verdade é da mesma ordem do semblante. O problema com os semblantes é que desconfiamos deles – será só isso? Mas, se têm valor, é porque neles acreditamos: é aquilo mesmo.
Vocês acham que o capital, como novo mestre, conduz a dança? Ledo engano, o capital, dizia Marx, se desenvolve sobre o fetichismo da mercadoria: “É uma relação social definida entre os homens que assume, a seus olhos, a forma fantasmagórica de uma relação entre coisas”. O capital investe em “Unicórnios”, empresas, Start Ups do Vale do Silício com capital superior a um bilhão de dólares, que têm que convencer os investidores para levantar fundos… Um artigo recente do Economist, lança desconfiança sobre um desses Unicórnios que prometia revolucionar a área da saúde com exames mais baratos, mais rápidos, mais simples, curto-circuitando os laboratórios tradicionais, da mesma forma que o aplicativo do Uber fez com os taxistas tradicionais.
O capital sempre viveu na base da crença, que no caso se chama confiança, que é a necessária sustentação do semblante: tulipa negra ou loteamentos na lua…
Queremos nos livrar dos semblantes? Sempre foram nosso quinhão, como constata Yves Depelsenaire: “as crianças instalam nele seu espaço de jogo, o universitário os classifica, o poeta e o artista renovam suas formas, as mulheres, sempre prontas para rasgá-los, apreciam que os respeitemos, o melancólico tem horror deles, o paranoico suspeita deles, o obsessivo, deles faz religião, a histérica os encarna, cada um segundo sua língua e seu tempo os habita no estilo que o inconsciente lhe confere.”
Ninguém escapa.
Alain Mouzat é professor da Universidade de São Paulo, doutor em linguística, e psicanalista membro do Instituto da Psicanálise Lacaniana
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