Por Dorothee Rüdiger
O que querem esses “meninos” e essas “meninas”? Em meio às crises econômica e política globais, querem não somente defender direitos fundamentais e humanos, como também encontrar novas formas de seu exercício
Um vírus está correndo de celular em celular. Já contaminou adolescentes no Brasil que, conectados em rede, ocupam escolas de norte a sul até em cidadezinhas de poucos mil habitantes. O tal do vírus deixa jovens franceses passarem noites em claro nas praças públicas, na capital e nas províncias. Espalhou-se pela Europa e de lá para a África e pelo mudo globalizado afora.
O que querem esses “meninos” e essas “meninas”? Nasceram cidadãos, quando a Constituição Federal brasileira e a Convenção dos Direitos da Criança da Organização das Nações Unidas já estavam em vigor. Estão levando a sério sua cidadania questionando, em toda parte, os padrões políticos construídos há séculos. Em meio às crises econômica e política globais, querem não somente defender direitos fundamentais e humanos, como também encontrar novas formas de seu exercício.
No Brasil, os jovens não pretendem somente evitar o fechamento de escolas estaduais, seja por projetos de reorganização, seja por projetos de privatização do ensino público. Questionam radicalmente o saber que lhes é transmitido e que, na visão deles, não os prepara para a vida numa sociedade que já está em franca transformação. Querem o que Lacan chamaria de “pensar com os pés”, ou seja, experimentar. Em muitas escolas descobriram laboratórios sucateados, espaços para experiências artísticas fechados, livros e computadores sendo guardados sem uso. Ficaram furiosos. Durante as ocupações fazem questão de experimentar novas formas de transmissão do saber artístico e intelectual. Experimentam formas de auto-gestão e o cuidado com o patrimônio público.
Na França, os jovens lutam por direitos fundamentais cujo exercício, teoricamente, já estaria garantido pelo Estado. Curiosamente (e é isso que os movimentos pelo mundo afora e no Brasil têm em comum), os jovens dispensam em suas ações porta-vozes. Tão pouco, lá e cá, sentem-se representados pelos partidos políticos. Prezam a ”ação direta” sem intermediação. Dispensam figuras líderes “paternos” que possam nortear suas ações. Fazem acontecer. Apostam encontrar por parte da comunidade não dialogo, mas ouvidos. Agem com o desejo em busca de palavras para inventar um novo saber-fazer política, a aurora de um novo mundo que será responsabilidade deles.
Dorothee Rüdiger é psicanalista e doutora em direito pela Universidade de São Paulo
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