Dançando na Chuva 20/02/2014

Por Claudia Riolfi

Só consegue despertar curiosidade as pessoas que são suficientemente criativas

A educação no Brasil é ruim, nos Estados Unidos da America é boa. Não é assim que muita gente pensa? Antes de bater o martelo, talvez fosse o caso de olhar para as coisas um pouco mais de perto. Há mais de dez anos, está em vigência, um ato do congresso norte americano chamado “The No Child Left Behind Act of 2001”. Seu principal objeto é a preocupação com as crianças menos favorecidas.

Em poucas palavras, o ato determina o que as escolas devem fazer para receber recursos federais: garantir as competências básicas para todos as crianças em idade escolar. Deve, ainda, traduzi-las em objetivos passíveis de serem objetivamente mensurados e administrar, anualmente, a aplicação, em condições idênticas, de testes padronizados, iguais em todo território nacional. Será que a medida está dando certo? Provavelmente, quem tentou (e conseguiu) implementar no Brasil sistema muito parecido pensa que sim.

Não é essa a nossa opinião e nem a do inglês Sir Ken Robinson que, há 13 anos, mora nos Estados Unidos. Durante a conferência “How to Escape Education’s Death Valley”, ministrada na fundação TED (em português: Tecnologia, Entretenimento, Design) (disponível em http://www.ted.com/talks/ken_robinson_how_to_escape_education_s_death_valley.html), Robinson criticou, sem meias palavras, os resultados do programa no país que lhe recebeu: milhões de crianças fora dos sistemas de ensino e, o que é pior, gerando ausência de implicação subjetiva para aqueles que estão dentro dele.

Esclarecendo que o motivo do fracasso não pode ser atribuído nem à ausência de investimentos, nem à classes numerosas e, tampouco, à ausência de políticas públicas, Ken Robinson foi claro ao afirmar que os educadores americanos estão indo para a direção errada ao contradizer os três princípios que descrevem a condição de florescimento da vida humana: a diversidade; a curiosidade e a criatividade.

Para Ken, este desrespeito tem consequências pedagógicas bastante palpáveis. Quando se desrespeita a diversidade, acaba-se por tornar impossível adequar o grau de desafio oferecido a cada criança. Para aquelas que são obrigadas a encarar atividades que estão muito aquém ou muito além de sua capacidade acabam desistindo de tentar ou se desinteressando de algo que é percebido como muito entediante. Em última instância, ele avalia, o resultado seria a elevação de falsos diagnósticos de transtornos de aprendizagem, gerados pela falsa expectativa de desempenhos idênticos.

Analogamente, quando se desrespeita o princípio da curiosidade, os professores e seus alunos ficam pensando que suas tarefas são, respectivamente, repassar informações prontas, dessubjetivadas e assimilar as mesmas informações de modo tão acéfalo quanto lhe foi apresentado. Como ninguém se encarrega de acender a fagulha de curiosidade de uma criança, ela pode passar anos sem entender por que motivo deveria ir até a escola. Neste ponto, Sir Robinson não deixa dúvidas com relação à importância do papel do professor: só consegue despertar curiosidade as pessoas que são suficientemente criativas. Aqui, a função do professor é fundamental.

Por fim, quando se desrespeita o princípio da criatividade, nós não conseguimos transmitir às novas gerações uma lição fundamental: o que torna nossa cultura diversa é o fato de que os humanos criam a vida por meio de um processo incansável de imaginar alternativas e possibilidades.

Para quem ficou pensando quais seriam as saídas para os impasses apontados, vale a pena recuperar a metáfora utilizada pelo conferencista para batizar sua fala. “Death Valley” (Vale da morte) é um lugar tão quente e tão seco que não tem vegetação. Quem o vê, afirma Sir Robinson, pode concluir que se trata de um lugar completamente estéril. Entretanto, esta conclusão falaciosa foi interditada em 2004, quando, após uma ínfima quantidade de chuva, o milagre se deu: o vale ficou todo florido.

Posto isso, restaria a nós estabelecer o restante da metáfora. O que poderia ser a “chuvinha” da educação? Examinemos as soluções apontadas pelo inglês: 1) Busca de tocar cada aluno em sua singularidade, implicando-o no próprio processo educacional; 2) Atribuição de um status muito alto à profissão de professor. Reconhecimento de que não dá para melhorar a educação se você não tiver pessoas maravilhosas ensinando; e 3) Criação de políticas educacionais descentralizadas. Nelas, o governo delega responsabilidades para a escola, não age como agente repressor de iniciativas localizadas interessantes. Oh, my! A proposta é linda, mas, brasileiros e americanos estamos tão distantes de sua construção que ela está mais para tromba d´água do que para chuvisco…

Menos mal. Desde Freud, sabemos que educar é uma das profissões impossíveis. Então, alertas da distância existente entre o ponto onde estamos e o lugar onde queremos chegar, o jeito é bancar o pajé e ensaiar uma bela coreografia da dança da chuva.

 Claudia Riolfi é psicanalista, cursou pós-doutorado em Linguística na Université Paris 8 Vincennes-Saint-Denis. Professora na Faculdade de Educação na Universidade de São Paulo. Diretora Geral do IPLA