Por Emari Andrade
Quando alguém para de culpabilizar o outro, pode construir um lugar que, longe da vitimização, é um convite à liberdade de fazer um trabalho que mostre seu processo de reflexão
Sob o título Depressão na Pós-Graduação e Pós-doutorado, a matéria do médico e doutor em Psicobiologia Sergio Arthuro, publicada no blog da Sociedade Brasileira de Neurociências e Comportamento, chamou-nos a atenção. Partiu da seguinte pergunta: o que fazer com os estudantes e cientistas que não conseguem estudar e pesquisar? As sugestões dadas pelo médico, a nosso ver, longe de tratar o problema, apontam o sistema de pós-graduação no país como o grande vilão culpado pelas doenças psíquicas de milhares pessoas. Será?
O médico fez um resumo objetivo de uma matéria de divulgação científica de um estudo realizado pela revista Nature. Seu levantamento indicou uma alta ocorrência de depressão entre pós-graduandos e pós-doutorandos. Segundo a pesquisa, boa parte dos deprimidos foram ótimos estudantes na graduação e, posteriormente, adoeceram dadas as “pressões do sistema” e falta de apoio. Para ele, “a competição no meio acadêmico pode levar ao isolamento, à ansiedade e insônia, que podem gerar depressão”. É mesmo?
Ao discutir a realidade da pós-graduação brasileira, o médico passou a apontar o que chamou de “falhas” no sistema universitário as quais, segundo ele, “podem aumentar os casos de depressão. E agora, José? Como ler esse cenário? Analisemos algumas delas.
1. O nome “Defesa” – para o médico, nomear como “defesa” a sustentação pública de um trabalho frente a uma banca é algo amedrontador e agressivo. Ora, desde 1916, com a publicação do Curso de Linguística Geral, proferido por Fernando Saussure, sabemos que as palavras não valem por seu nome, mas pelo significado que ganham dentro da estrutura. Assim, em contexto universitário, fazer uma “defesa” é um momento singular do candidato ao doutorado sustentar ideias, ressignificar algumas percepções e ver de que modo seu trabalho foi lido por pessoas da sua área. Sérgio Arthuro não levou essa possibilidade em conta por acreditar que existe uma relação biunívoca entre a palavra e sua significação. Para ele, toda “defesa” pressupõe um ataque.
2. Avaliações pouco frequentes – para o médico, ter poucas avaliações ao longo do processo de produção de uma tese e dissertação faz com que “o desespero fique todo para o final”. Mas, quem foi que disse que os orientadores não leem as teses ao longo do processo? E por que toda avaliação precisaria ser um momento de desespero? Por que todo mundo estaria condenado a dar tamanho peso ao outro? Por que todos se veriam como “completos”, e, por esse motivo, tomariam qualquer intervenção externa como uma afronta pessoal?
3 – Prazos pouco flexíveis – Para o médico, “não deveria haver nem mestrado nem doutorado com prazo fixo”. O pós-graduando teria uma bolsa e submeteria, anualmente, um relatório para uma comissão que avaliaria se o estudante “merece continuar”. “Caso os relatórios anuais fossem aprovados, e o estudante comprovasse não ter sua culpa na falta de cumprimento do prazo, o médico indica uma tolerância de até 13 anos de pesquisa. Arthuro desconsidera a mortalidade e vai na direção contrária de Lacan, para quem a compressão do tempo colabora na obtenção de bons resultados.
Ao longo do texto, notamos que Sérgio Arthuro busca argumentos que desresponsabilizam o pesquisador e culpabilizam os atuais sistemas na pós-graduação. Para nós, “jogar pedra” no sistema é supor um pesquisador frágil, inconsequente e ignorante das regras do campo de atuação no qual está se inserindo.
Quando alguém para de culpabilizar o outro, pode construir um lugar que, longe da vitimização, é um convite à liberdade de fazer um trabalho que mostre seu processo de reflexão. Longe de um ambiente “opressor”, a pós-graduação, inclusive, pode ser um locus privilegiado para se confrontar com a inutilidade de se deixar pautar pela expectativa do outro e encontrar saídas mais criativas do que a depressão.
Emari Andrade é doutora em educação, membro do Grupo de Estudos e Pesquisa Produção Escrita e Psicanálise, da FEUSP, professora de língua portuguesa e monitora do curso on-line do IPLA
Deixe um comentário
Você precisa fazer o login para publicar um comentário.