Custe o que custar 20/08/2015

Por Mariana Ribeiro

Assumir a própria incompletude pode ser uma forma de não nos limitarmos às respostas já prontas

Se somos incompletos, por que não inventar o “si próprio”? Afinal, a incompletude pode ser um “espaço” de criação, ênfase na palavra “pode”, pois a relação entre esses dois elementos (incompletude e invenção) não é natural.

Diante da percepção de nossa incompletude, há pelo menos duas opções possíveis: buscar tamponá-la ou assumi-la como uma oportunidade para se construir. Trata-se de escolhas. Quem tenta tamponar a incompletude opta pelo reino das desculpas prontas. Os exemplos são muitos. Em nossa prática como professora de língua portuguesa, nos deparamos com jovens que dizem querer fazer um curso de graduação, mas que justificam o não fazer por não ter tempo, por não ter opção em sua cidade, falta de dinheiro etc.

Quem assume a incompletude como efeito de construção, por outro lado, ganha em vida e em mobilidade. Isso porque não segue a via do dever ou do moralismo. O caminho escolhido é outro: a via do desejo. No Seminário em que construiu as balizas da ética da psicanálise, Lacan (1959-1960) estabeleceu uma diferença muito cara: aquilo que se faz por obrigação (relacionado a um comando e às expectativas externas) e a ideia do verdadeiro dever, aquilo que a pessoa faz porque deseja. Calcada nessa ética, a pessoa encontra um ponto de amarração que rege a sua vida, a partir do qual constrói sua singularidade.

A via escolhida por Adilson Menezes Junior, de 29 anos, parece trazer lições. Sua história interessou aos jornalistas que a publicaram na Folha de São Paulo, de 31 de julho de 2015. O jovem, nascido e criado em Itaquera, bairro da periferia de São Paulo, optou pela via do desejo e bancou o que, para muitos de seu entorno, poderia parecer improvável: cursar a graduação fora do Brasil. Para dar consequência ao seu desejo, passou por uma série de percalços. O tempo não o fez abrir mão de seu desejo, persistiu durante sete anos. Antes de conseguir ingressar na universidade e no curso de graduação desejado (Universidade Soka, no curso de Liberal Arts), Adilson teve de viver longe de sua família, aprender a língua inglesa, guardar dinheiro e se submeter a uma série de subempregos nos países onde morou (Irlanda e Estados Unidos).

O primeiro enfrentamento foi com a própria família. Para ir além dos limites de sua casa e classe e não ceder em seu desejo, Adilson precisou desfazer o imaginário de que a classe social determinaria e limitaria suas escolhas. Precisou, ainda, incluir o imprevisto: três reprovações na Universidade de Soka, nos Estados Unidos. Sendo impossível entrar nesta universidade nos EUA, (uma vez que uma das regras desta instituição era a de que cada candidato só podia se inscrever três vezes para concorrer uma vaga), Adilson optou por um plano B: cursar a mesma universidade e curso em outro país, no Japão. Diante de uma impossibilidade, ele encontrou uma solução.

Por que Adilson fez tudo isso? Ele tinha alguma obrigação moral? De maneira alguma. Se ele fez o que fez foi porque apostou no seu desejo e pagou o preço por isso. Para tanto, teve de desconstruir imaginários e inventar-se a partir do inesperado. Poderia ter seguido vários caminhos. Encontrou a educação como um caminho para inventar um “si próprio” e ter liberdade de escolha.

Mas, cuidado amigo leitor, pois exemplos mostram e encobrem. Aqui, no caso, não fiquemos com a ideia pronta que o desejo seja heroico, que atravessa montanhas e oceanos. Nada disso. No fundo, como diria o Roberto, o que conta são os detalhes para cada um se achar em seu canto. 

Mariana Ribeiro é professora da Universidade Federal do Maranhão – UFMA, doutoranda em educação na Faculdade de Educação da USP – FEUSP e pesquisadora do Grupo de Estudos e Pesquisa Produção Escrita e Psicanálise – GEPPEP