Criança insegura: de que medo falamos? 27/08/2015

Por Maria da Glória Vianna

O que é uma criança insegura, como pode ser caracterizada? 

Em julho de 2015, a Agência Brasil publicou a matéria “Crianças e adolescentes se sentem inseguros na capital paulista”. A reportagem divulgou uma pesquisa realizada pela Rede Nossa São Paulo, que entrevistou 805 crianças e adolescentes, entre 10 a 17 anos, em todas as áreas da cidade. O levantamento apontou que 67% dos entrevistados consideram a capital paulista insegura, sendo que o índice faz parte da pesquisa de Indicadores de Referência de Bem-Estar no Município. Os temores relatados referem-se às periculosidades comuns às metrópoles, como assaltos, balas perdidas, sequestros etc., que afetam a integridade física das pessoas. Mas, seria somente esse tipo de medo que afeta as crianças?

A experiência clínica mostra-nos que não. Vários motivos podem apontar para a insegurança infantil que, muitas vezes, em nada se relaciona com o sentimento de desamparo empírico. É muito comum pais e educadores procurarem a ajuda de um psicanalista para saber lidar com a “insegurança de uma criança”. Na vida real, o que é uma criança insegura, como pode ser caracterizada?

Vários comportamentos podem indiciar a insegurança infantil. Um menino que atrapalha a aula, querendo bancar “o valentão”, pode, na verdade, estar dando a ver o quanto se sente inseguro no ambiente escolar. Outro exemplo comum é a criança que faz bulling. Se, na superfície, ela parece estar se achando “o máximo”, a necessidade de desqualificar os demais mostra que não é bem assim.

Existem traços que denotam insegurança. Destacamos a precipitação, a incapacidade de esperar, a tentativa de completar a frase dos outros antes que esses terminem o que estão dizendo. Esses comportamentos indiciam para o adulto algo da insegurança da criança. O que ela não consegue falar, mostra por meio de ações que, muitas vezes, são rotuladas pelo adulto como incompreensíveis. “Insegurança”, portanto, é um predicativo que engloba um conjunto de reações que variam de criança para criança, mas que denotam que algo não vai bem.   

É importante, ainda, fazermos outras perguntas: a criança nasce insegura? Há um gene que a torna insegura? É praga? Passa pela saliva ou o vírus está no ar? Depende do índice de periculosidade de uma metrópole? Não. Para a psicanálise, a insegurança é um sintoma de relações familiares que tornam a criança uma escrava do que ela pensa serem os ideais de sua família.

Nessa perspectiva, a criança fica tentando adivinhar o que os outros querem dela. Busca corresponder, exatamente, ao que pensa que deixaria papai e mamãe sempre felizes. Passa o dia todo a sondar o ambiente, na espreita. Quer captar o mood (o astral) de seu entorno. Vive como se fosse obrigada a ter uma bola de cristal para, antecipadamente, prever o que vai agradar ao outro. Por essa razão, tenta controlá-lo, fazendo com que ele apenas diga o que lhe seria agradável.

Se nós não observarmos bem, é difícil diferenciar a criança insegura da criança amorosa. A criança amorosa também tenta agradar ao outro, mas o faz de maneira equilibrada. Quer, espontaneamente, externar sua gratidão e seu amor.

A criança insegura, diferente, não age de modo espontâneo. Ela é refém do outro. Tenta moldar as suas expectativas para não ser repreendida. É uma espécie de ator, que adequa ao seu papel o que pensa ser o conveniente para o outro. Ao fazê-lo, se vê em uma armadilha, que ela mesma construiu. Teme ser desmascarada e perder o amor das pessoas que estão ao seu entorno. No fundo, a criança sabe que a pessoa que é amada é o personagem que ela representa. Está o tempo todo com medo de perder a afeição que recebe ao fazer o jogo das expectativas. Passa seus dias amedrontada. Mede seus passos. Angustia-se.

Se a insegurança não é genética e nem depende, unicamente, da realidade empírica, o ambiente familiar é essencial para que a criança consiga se libertar das expectativas do outro e, em si, construa um ponto de sustentação para dizer o que pensa e fazer o que gosta. 

Maria da Glória Vianna é psicanalista, mestre em linguística pela PUC e membro do Corpo de Formação do IPLA.