Por Lisiane Fachinetto e Griseldis Achôa
O que é melhor para os adictos: a liberdade e o abandono das ruas ou a violência de uma internação compulsória? Precisamos de políticas públicas de redução de danos sociais e singulares, mas falar é mais fácil que fazer
A cracolândia é uma zona do centro paulistano conhecida pela presença concentrada de usuários de crack, o que lhe confere uma fama não muito boa. A drogadição serve como pano de fundo para o terror e a miséria humana que por ali circulam.
A palavra “adicto”, termo politicamente correto para nomear o vicio pela droga, tem sua origem no Império Romano. Adictum era o termo utilizado para designar quem, por não poder pagar sua dívida, temendo ser morto, se oferecia como escravo ao credor. Para não desaparecer, literalmente, do mapa, o Adictum abria mão de sua liberdade. Guardadas as devidas proporções, será que o mesmo não ocorre hoje em dia? Dívidas com traficantes não são cobradas em cartório…
Mas voltemos à cracolândia. Lá, a presença de usuários da droga aponta para até onde o ser humano é capaz de chegar na busca pelo gozo totalizante. Mortos-vivos, movidos pela fissura e guiados pela pulsão de morte, os adictums povoam, além de uma fração do espaço urbano, o imaginário social. O centro de São Paulo, abandonado e decadente, é o cenário ideal para abrigar o sofrimento destes sujeitos.
Que tipo de encaminhamento podemos oferecer a eles? No início do ano, a Polícia de São Paulo deflagrou uma grande operação na cracolândia. Em pouco mais de um mês, a ação contabilizava 196 prisões e 186 internações compulsórias. A reação foi polarizada; uns questionaram a truculência habitual da PM, enquanto outros aplaudiram a polícia por “recuperar” a região e oferecer uma “alternativa” a seus habitantes. Em uma pesquisa do Datafolha, 90% dos respondentes declararam-se favoráveis a internação dos adultos dependentes do crack, mesmo que contra a vontade deles.
Será que a internação compulsória seria uma medida inteligente, no caso de uma droga barata e que vicia rapidamente, como o crack? Será que a exclusão social conduz ao vício, ou é o vicio que conduz à exclusão social? Será que os adictos, no estado em que estão, querem ou têm condições de dialogar com alguém, e refletir sobre o tipo de ajuda que gostariam de receber? Onde será que eles correm (e causam) menos perigo: nas ruas ou em uma clínica mantida pelo Estado?
Entendemos que a intervenção não deve se restringir a uma ação policial localizada, que simplesmente remova os habitantes indesejáveis para longe dali. Mas, é mais fácil espalhá-los pela cidade do que encarar de frente os efeitos de uma relação mortífera estabelecida entre o sujeito e a droga. Para além de uma questão subjetiva, a cracolândia indicia os laços sociais da contemporaneidade.
Precisamos mobilizar e provocar uma discussão ampla entre as várias esferas da sociedade, e desenvolver políticas públicas de redução de danos sociais e singulares. Como fazer? Eis a grande questão.