Cotas, para que te quero? 16/10/2012

Por Emari Andrade

Recém-aprovada, a “lei das cotas” tira dos estudantes a possibilidade de fazer um percurso singular de ingresso em uma universidade pública.

Das boas intenções, o inferno está cheio. Esse ditado popular parece poder ser aplicado ao sancionamento feito pela presidente Dilma Rousseff, em 29 de agosto, da Lei n° 73, conhecida como “Lei das Cotas”. Trata-se do documento que institui o sistema de cotas raciais e sociais para universidades federais do país. Lida com as lentes da Clínica do Real, a lei das cotas foi uma boa ideia?

Não acredito, e tenho três argumentos para isso. O primeiro é que essa lei pode tirar dos pobres, pardos, negros e índios a oportunidade de construírem um percurso singular de conquista de uma vaga em uma universidade pública. Isso porque ao separar esses jovens dos outros, agrupando-os nas categorias de “pobres” ou de “diferentes etnias”, trata os integrantes desses dois grupos como se todos fossem iguais uns aos outros.

O segundo é que, ao obrigar que as universidades tenham, no mínimo, 25% do total das vagas preenchido por meio do critério de autodistribuição étnica e os outros 25% pelo critério de renda familiar, a lei não considera uma importante dimensão da experiência intelectual: a possibilidade, por parte de cada um dos jovens, de sustentar o desejo de conquistar uma vaga na universidade que, por sua vez, orienta o programa de estudos de uma pessoa. Muitos são os jovens que não se deixaram levar pelas circunstâncias e inventaram, como podiam, modos de sustentar esse desejo: por exemplo, bordando, em toalhas, o número de telefone de taxistas de sua região para poder pagar a inscrição do vestibular.

O terceiro argumento é que, ao ganhar algo sem ter dado as costumeiras provas de mérito, uma pessoa pode não encontrar outros modos de colocar em prática o conselho de Goethe que era tão caro a Freud: “aquilo que herdaste de teu pai, conquista-o para fazê-lo teu”. Esse argumento transcende a velha alegação de que, mal preparados, esses alunos acabariam por ter dificuldades escolares ao longo da graduação. Relaciona-se mais a uma sensação de não pertencimento que, caso não seja superada, pode gerar ora apatia, ora desinteresse em continuar estudando.

Uma vaga em universidade pública não pode ser usada como moeda de troca com o superego de quem sente culpa pelos crimes raciais de seus antepassados ou por ser mais rico do que os outros. A esses culpados de plantão, mais valeria pensar novos modos para educar esses jovens, colocando-os em condição de competir, ombro a ombro, com seus pares.