Corpo de Formação pra que te quero? 22/08/2013

Por Emari Andrade

Quem consegue deixar um passado de preconceitos, sofre uma mudança subjetiva cujos efeitos são tão radicais que levam a pessoa a um “rejuvenescimento espiritual”

Quando uma pessoa se aproxima de uma escola ou instituição para quem solicita uma formação, caso seu desejo seja decidido, de uma coisa nós sabemos: ele reconheceu a necessidade de se abrir para uma transformação brutal que é experienciada por quem decide matar a parte de si que está bem velha, pois tem a idade de seus preconceitos.

Este é o ponto de partida do filósofo Gaston Bachelard (1884-1962), para quem o “verdadeiro espírito científico” caracteriza-se por um modo diferenciado de pensar e de se relacionar com o não saber que se materializa na capacidade de formulação de problemas.

Para o autor, quem consegue deixar um passado de preconceitos, sofre uma mudança subjetiva cujos efeitos são tão radicais que levam a pessoa a um “rejuvenescimento espiritual”. Assim, o esforço empreendido para aprender a pensar com o rigor exigido na cultura científica encontra um modo de rejuvenescer: uma atitude de curiosidade insaciável frente ao não saber, a qual causa alegria, vivacidade e insistência intelectual.

Alheio à lógica do corpo biológico segundo a qual o passar dos anos traz o envelhecimento corporal, o trabalho intelectual, a cada vez que é atualizado, renova o espírito de quem o faz, movendo-o para construir novas hipóteses e elaborações diante de um problema, de modo que o pensamento nunca envelhece. A abertura para o inesperado é, portanto, condição imprescindível rumo à sustentação de uma carreira produtiva do ponto de vista da invenção.

Deriva-se, portanto, da existência do inconsciente, a necessidade de pertença a um grupo de referência onde algo, ou alguém, faça uma função primordial para que essa transformação ocorra: apontar para quem não está vendo quando ele está preso em seus preconceitos. Não é para qualquer um.

É comum que, a partir do abalo narcísico que isso gera, muitos se percam no caminho. Por isso, talvez seja hora de (re)pensarmos uma clínica da formação do futuro psicanalista. Como garantir que uma formação seja sempre lugar de, nas palavras de Bachelard, rejuvenescimento da pessoa e da própria psicanálise? Continuemos refinando nossa maleta de bisturis.

Emari Andrade é professora de língua portuguesa, faz doutorado em educação na Universidade de São Paulo e é monitora do curso online do IPLA