Por Maria da Glória Vianna
Por um “corte de cetim”, um pequeno “regalo” ou qualquer coisa assim, alguém se coloca na mão do gringo. O que estão oferecendo?
Nesses tempos de copa, não foram raras as vezes em que, ao passear por um dos bairros mais famosos do mundo, Ipanema, no Rio de Janeiro, encontrei o mesmo cenário povoado de outros personagens além dos habituais. As ruas estavam cheias de gringos passeando, indo aos restaurantes, às compras etc. As línguas faladas (e inventadas) eram muitas. Quando ninguém se entendia, o recurso à velha mímica entrava em ação.
Nesse vaivém, foi impossível não notar a presença da “turma da viração”: moças, rapazes, adolescentes, pessoas de meia idade (tem para todos os gostos e tira-gostos), que expõem seus corpos em uma grande bandeja para que “os gringos” os escolham. Como tubarões em volta da presa, circulam ao redor dos vários hotéis do bairro.
Os turistas, enquanto andam, são seguidos por olhares ávidos. Quando decidem sentar, rapidamente encontram companhia. São moças ou rapazes que “chegaram junto”, como se não quisessem nada. Na busca de atrair a atenção do outro, vale até arriscar um “portunhol” e pedir uma “cueca-cuela” para o turista falante de espanhol. A sorte é lançada!
O que está em jogo nessa “loteria da vida”? Trata-se de um corpo atirado a esmo por alguém que quer se fazer olhar? É o caso da encenação da fantasia de “ser o escolhido”? É atração sexual pura e simples? Ou uma expectativa de abrir mão da responsabilidade de viver ao encontrar um gringo que lhe abra as portas para uma vida melhor?
Na prática, não é difícil de descobrir o que se passa depois desse contato inicial. Por um “corte de cetim”, um pequeno “regalo” ou qualquer coisa assim, alguém se coloca na mão do gringo. O que estão oferecendo? Provavelmente prazer sexual, acrescido do gozo de poder colocar alguém no lugar de objeto. A “turma da viração” deposita no outro a esperança de um futuro melhor, projetando nele as esperanças de ser retirado da realidade em que vive.
Essa situação é emblemática, não se localizando apenas na Copa do Mundo. Diariamente, pessoas abdicam-se do seu desejo em troca de fantasias. É como se, ao invés de escolherem o time para o qual vão torcer, se deixassem ser escolhidas por ele. É pena! Fixadas na ilusão de que existe um outro capaz de levá-las ao paraíso, ficam à mercê de uma bola perdida.
Maria da Glória Vianna é psicanalista, mestre em linguística e membro do Corpo de Formação do IPLA