Por Alain Mouzat
Como tirar de alguém o apreço a sua dor?
Quando entrei a senhora estava de pé, transtornada, escutando a secretária que lhe dizia, “Você não deve se desesperar, hoje câncer tem cura, tem que pensar positivo”. Mas a senhora não colaborava, só argumentava para o pior: já era a segunda recidiva, a segunda operação que não dava conta. Entrou mais um homem, logo convocado pela secretária a participar: “Olhe este senhor, já faz vinte anos que ele foi operado, já teve uma recaída e hoje está bem”. Bem é dizer pouco. O homem esbanjava bom humor, rindo, satisfeito. Fez coro com a secretária: “É importante ser otimista, não devemos nos deixar abater, e se for preciso devemos recorrer a outras especialistas. Eu, por exemplo, fui consultar um amigo psiquiatra. Graças à fluoxetina consegui passar por cima. Em casa tudo mundo toma. Santo remédio, deveria ser medida de saúde pública colocar fluoxetina na água da cidade”. Já tinha ouvido falar dessa sugestão, e sempre achei que fosse uma “boutade”, uma daquelas besteiras inconsequentes e truculentas que falamos a título de provocação graciosa. Não, ele falava sério: seu bom humor, beirando a mania, aliás, demonstrava a eficácia do remédio.
Mas aos poucos o clima baixou.
A senhora falava de seus filhos, dos rumos que tinham tomado na vida, que eram felizes, falava do marido companheiro, de uma vida que lhe era tão doce. A secretária escutava, perguntando agora da família. O homem alegre se recolhia aos poucos no seu tablet. O médico enfim chegou. Entrou no consultório, chamou a senhora. Ela ficou muito tempo. Saiu, discreta, impactada, marcou outra data, e se foi.
Ninguém comentou nada.
Como saber dessa dor? Como mudar essa angústia que agora talvez esteja aplacando as misérias passadas, os dissabores da vida em horizonte de doçura amena, de felicidade ameaçada com um gosto já de saudade? Conselho nenhum a mudará, remédio nenhum. Como tirar de alguém o apreço a sua dor?
Alain Mouzat é professor da Universidade de São Paulo, doutor em linguística, e psicanalista membro do Instituto da Psicanálise Lacaniana