Por Emari Andrade
Posições subjetivas são veladas pelos critérios de correção do ENEM, mas não “passam em branco” na clínica do real
“Hino do Palmeiras garante 500 pontos à redação”; “Candidato escreve receita de miojo na redação do Enem e tira nota 560”. Esses são apenas dois de muitos títulos de notícias veiculadas na mídia no final do mês passado a respeito dos resultados da correção das redações feitas no Exame Nacional do Ensino Médio de 2012. Em comum, as reportagens enfatizam, de modo indignado, a pontuação atribuída a esses textos, que indica que os candidatos alcançaram metade da nota máxima da redação, cujo tema era “Imigração no Século XXI”. Se os critérios de correção do ENEM acabam colocando “tudo no mesmo saco”, pensar o ato de escrever tendo como referência a clínica do real nos ajuda a discriminar aquilo que os números escondem: a posição subjetiva assumida durante o ato de escrever.
Por posição subjetiva entende-se o posicionamento que aquele que escreve assume com relação ao saber. Diante de um exame que tem ganhado cada vez mais destaque no país, visto que é o instrumento de seleção adotado por maior parte das universidades públicas brasileiras, pensamos que é importante, para quem se interessa pelo ensino da escrita, saber separar o “joio do trigo” e decidir a quem se deve dar atenção.
Os cerca de 300 candidatos que, deliberadamente, introduziram “bizarrices” nos textos, somente para afrontar o sistema de correção do exame, adotaram uma posição que chamamos de “bobo alegre”. Ainda que a pontuação desses textos revele, de acordo com os critérios, um texto mediano, a posição desses candidatos é irresponsável, já que a motivação principal foi a de debochar do exame e enganar os corretores. Quem assumiu essa posição afirmou que não estava concorrendo a uma vaga na universidade, que o objetivo era “fazer graça”. Que babaquice! Frente a essa posição, não há outra atitude se não a recusa do produto apresentado. Nesse sentido, é urgente a aprovação da mudança dos critérios de correção, que prevê anulação dos textos em que se encontrar uma inserção indevida.
Também receberam cerca de 500 pontos os candidatos que incluíram a demanda social na sua produção, mas, ainda que mostrem uma tentativa de articulação de um texto, não ultrapassaram os limites do que entenderam ser a proposta da redação. Chamamos essa posição de “ignorante”, porque mostra que esses candidatos não sabem os meios técnicos para articular os recursos linguístico-discursivos, para defender um ponto de vista. Assim, acabam reproduzindo chavões ou elaborações do senso comum. Frente a quem assume essa posição durante o ato de escrever, o professor pode realizar um trabalho que ajude seu aluno a não se embaraçar frente à demanda de um texto. Pode estudar esses textos, mostrando ao aluno aquilo que ele não sabe, ensinando-lhe os recursos necessários para que escreva versões de textos que, por seu rigor, clareza e adequação na escrita, possam ser legitimadas nos exames que realizar.
Por fim, a terceira posição é a do candidato criativo, aquele cuja escrita é marcada, na forma da expressão, pela reflexão que visa a fazer a respeito de um dado assunto. Ele não ignora as regras e os recursos linguísticos de sua língua materna e, muito menos, busca testar ou colocar à prova os corretores do exame. Inclui o leitor no cálculo dos potenciais efeitos de seu texto. Frente ao aluno que, na escola, dá indícios dessa criatividade, cabe ao professor legitimar suas criações. Mas, atenção: “criativo” não é sinônimo de “certinho”. É aquele que assume, com coragem, a sustentação da própria diferença sem recorrer à esculhambação.
A nosso ver, portanto, aquele que se implica com o ensino da escrita, muito mais que se atentar a critérios gerais de correção ou a uma mensuração numérica, poderá se valer da ética da psicanálise para ler os textos de modo refinado, incentivando os que assumem uma posição de criativos, auxiliando os que indiciam ignorância e não compactuando com os que, deliberadamente, buscam uma alegria imediata, a partir da ridicularização do outro.
Para ler mais:
RIOLFI, C. R.; MAGALHÃES, M. “Modalizações nas posições subjetivas durante o ato de escrever”. Estilos da clínica. Revista sobre a infância com problemas, São Paulo: Instituto de psicologia. Universidade de São Paulo. v.XIII, pp. 98-121, 2008.