Por Maralice de Souza Neves
O que deixar para trás para viver melhor? O minimalismo procura oferecer essa resposta como movimento estético e também social. O conceito vale também na psicanálise
Minimalismo parece muito moderno, mas já é invenção do século passado. O movimento artístico, cultural, e científico que advoga o uso de poucos elementos como forma de expressão teve seu auge nos anos 60, repletos de obras com uso reduzido de cores e traços, músicas de apenas duas notas e literatura econômica nas palavras. O movimento artístico ganhou do arquiteto Mies Van der Rohe o aforismo “Menos é mais”, também título de reportagem recente na revista Valor. A reportagem ressalta o minimalismo como tendência de comportamento no século 21, que como os movimentos artísticos do passado, prega a redução do estilo de vida ao essencial.
A moda está pegando. Aumentam os apelos ao desapego, em contraponto ao fenômeno da acumulação. Pesquisas na área de psicologia divulgam os efeitos negativos do hábito de consumir excessivamente, que resultam em ansiedade, infelicidade, retração social. Assim, na busca de erradicar esses sintomas, tem se viralizado nas redes sociais, principalmente, a proposta de reduzir os objetos e o estilo de vida ao mais básico possível.
De fato, a psicanálise do século XXI está alerta para o mal-estar na cultura, já brilhantemente apontado por Freud em 1930. Hoje em dia, é quase impossível escapar do consumismo exagerado se quisermos estar integrados no mundo, alienados que somos aos objetos e às pessoas que nos cercam. Tomar a decisão de diminuir a bagagem e com isso, responsabilizar-se mais pelo acaso e pela surpresa é um ato de coragem.
Mas não apenas os analisados precisam de uma mala mais leve. Diante das novas responsabilidades do analista do século 21, vale carregar menos bagagem conceitual e mais responsabilidade pelos poucos instrumentos essenciais à clínica. Sobretudo, o bisturi: cada analista deve ter o seu próprio. Na Clínica do Real, é ele a ferramenta de linguagem capaz de incidir com precisão no ponto em que a pessoa ancora suas tranquilidades habituais sustentadoras de queixas e reclamações.
Mesmo simpatizando com o minimalismo, é difícil imaginar uma vida reduzida ao essencial. Somos movidos por memórias, fetiches e lembranças, atribuições subjetivas que vão muito além da sua função utilitária das coisas. Porém, a decisão de se livrar dos excessos traz uma sensação de liberdade indescritível. Como num processo de análise, dar consequência à uma clínica que se despoja dos excessos do simbólico para incidir diretamente no real é, corajosamente, apostar que menos é mais.
Maralice de Souza Neves é professora na Faculdade de Letras da UFMG e membro do corpo de formação do IPLA