Autonomia recíproca. O que fazer com ela? 07/10/2015

Por Dorothee Rüdiger

A sociedade em rede nos abriu novas possibilidades de fazer política. A internet abriu uma nova praça pública aparentemente sem limitações

Minha liberdade começa com sua liberdade. Juntos, nas redes sociais, exercemos mais autonomia e, portanto, mais poder político. Condição fundamental para essa nova expressão da cidadania é que cada um de nós tem o acesso às redes de informação garantido. São essas as principais teses que se extraem do texto A liberdade como autonomia recíproca de acesso à informação, de autoria de Tércio Sampaio Ferraz Júnior, lido e debatido durante as últimas reuniões do grupo Projeto Análise, sob a direção de Jorge Forbes.

A sociedade em rede abriu-nos novas possibilidades de fazer política. A internet abriu uma nova praça pública, aparentemente, sem limitações. Nessa praça, há espaço para tudo: bobagens, criatividade, agressões, articulações artísticas, políticas, sociais e, principalmente econômicas. São as empresas que sustentam esse espaço.

Há, principalmente nas redes sociais, muitas possibilidades do exercício daquilo que no direito se chama autonomia. A liberdade é, para os juristas modernos, o direito que tenho de agir conforme minha vontade sem sofrer interferência de alguém. Ela encontra seu limite na liberdade do outro que também tem o mesmo direito de agir conforme sua vontade. É o modelo “Robson Crusoé” de uma sociedade que imagina o indivíduo como o dono de uma ilha, na qual haverá espaço para ele fazer o que bem entende. O direito de fazer o que bem entende é a liberdade, pressuposto para possibilidade de criar algo. Posso construir na ilha, explorar sua fauna e flora, entrar, a partir da ilha, com outros “ilheiros” e fazer contratos para realizar trocas. Esse poder chama-se autonomia privada. 

Essa autonomia privada, por sua, vez tem seus limites nas leis da comunidade que é, na modernidade, representada pelo Estado. Em nome da “vontade geral”, para citar Rousseau, em nome dos interesses acima dos interesses de cada um, o Estado delimita a autonomia. Ele cria uma grade de normas que delimitam o espaço, no qual posso exercer minha autonomia de forma individual ou coletiva. Quanto mais autoritário é o Estado, mais densa a grade. Quanto mais liberal é o Estado, menos densa é a grade, mais poder deixa para os indivíduos e grupos exercerem seu poder de se dar suas próprias regras.

Isso tudo muda com a abertura da internet para pessoas privadas. Quem quiser exercer sua autonomia na internet precisa, em primeiro lugar, de acesso a ela. Precisa de um direito à “participação em um processo de comunicação”, como quer o Supremo Tribunal Constitucional da Alemanha. Uma vez garantido o acesso a esse espaço vital para a sociedade pós-moderna, o cidadão goza de uma expansão da liberdade. Não se trata mais de ser livre dos outros, de ter o seu espaço privado delimitado contra a interferência dos outros, mas de exercer a liberdade por intermédio dos outros. O exercício dessa liberdade implica maior autonomia no espaço conectado. O poder de se dar normas encontra possibilidades ampliadas. Isso é importante para a política. As pessoas podem não somente debater livremente suas ideias na rede. Criam soluções inusitadas para problemas políticos locais, regionais e globais que se apresentam dentro e fora da rede.

Por ser um instrumento muito eficaz e criativo de política, porque amplia a possibilidade de exercer a autonomia de cidadãos e grupos de cidadãos, a rede é muito vigiada. O outro lado da medalha da liberdade exercida em conjunto é a devassa que os vigias da rede, o(s) Estado(s) e as empresas privadas, que oferecem as plataformas de redes, podem fazer com os dados de quem delas participa. Todos nós que participamos de alguma rede temos nossa “personalidade perigosamente transparente”. Existe uma grade densa de controle de nossos dados que temos de fornecer para entrar na rede. É uma grade que, na mão do Estado, pode o tempo todo “vigiar e punir”. Ou, então, estamos sujeitos à curiosidade das empresas privadas que querem nos seduzir para seus negócios. Isso põe em xeque toda liberdade e autonomia que ganhamos. Por isso, os Marcos Regulatórios da Internet que delimitam os poderes públicos e privados que interferem na internet são fundamentais. Por fim, se nós temos, apesar de todo controle, mais poder pelo exercício da autonomia recíproca, façamos dele uma plataforma para projetos inovadores políticos no sentido mais amplo da palavra 

Dorothee Rüdiger é psicanalista e doutora em Direito pela Universidade de São Paulo

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