Por Dorothee Rüdiger
Somos todos refugiados ou ao menos migrantes, estranhos num mundo que, para nós seres humanos, não é nada natural. Expulsos do jardim do Éden da natureza, somos exilados na civilização
Vieram para entrar na história dos Jogos Olímpicos. Os seis homens e quatro mulheres escalados para a seleção de refugiados são atletas como os demais que, movidos pelo desejo de ganhar uma das medalhas olímpicas, estão competindo nas suas modalidades esportivas. Representam uma população que seria suficiente para formar uma novo país. E, no entanto, não possuem nenhuma das tantas bandeiras nacionais. São atletas da própria humanidade. Dentre eles está a nadadora síria Yusra Mardini que, no ano passado, aos 17 anos de idade, junto com sua irmã, enfrentou o alto mar para rebocar nadando um bote com 20 outros refugiados até encontrar terra firme.
As Olimpíadas são uma festa das bandeiras. Seu composé de cores dá o tom festivo aos Jogos que, nesse momento, fazem da cidade do Rio de Janeiro a “capital” de um mundo civilizado, do mundo do fair play. Maravilhados assistimos os jogos, in loco ou nas telas, pelos quatro cantos mundo afora. Esquecemos, por um momento, o terror, a guerra e as desavenças que assombram nossa existência global. As Olimpíadas tocam nosso imaginário. Corpos saudáveis dão mostras daquilo que o ser humano é capaz de realizar. Nos pódios brilham as medalhas enquanto ao som dos hinos nacionais se hasteia as bandeiras. Atletas choram e as torcidas vibram. Defender bandeiras faz parte dos Jogos.
Refugiados não possuem bandeira nacional para defender. A deixaram para trás, quando foram obrigados a largar suas casas para fugir da guerra, da perseguição, da miséria e da morte. O Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados – ACNUR estima que, em 2015, 65,3 milhões de pessoas tiveram que deixar as terras de origem para encontrar abrigo no exílio. Emprestar aos atletas dentre essas pessoas a própria bandeira olímpica é um ato politicamente revolucionário.
Pois, somos todos refugiados ou ao menos migrantes, estranhos num mundo que, para nós seres humanos, não é nada natural. Expulsos do jardim do Éden da natureza, somos exilados na civilização. Invadimos o Pindorama do que nos falam as lendas dos indígenas e caminhamos deixando rastros na paisagem, como lembrou a cerimônia de abertura dos jogos. Sejamos imigrantes, emigrantes ou assentados, é o desejo que nos mantém em movimento. Querendo ou não, temos que ir além do que já conquistamos, mesmo se passamos a vida em casa. Os atletas refugiados nos representam em nossa condição humana. Vieram para o Rio de Janeiro e entraram na história da humanidade, hoje, globalizada.
Se vão ganhar alguma medalha? A torcida é grande.
Dorothee Rüdiger é psicanalista e Doutora em Direito pela Universidade de São Paulo
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