Por Italo Venturelli
Canções de ninar, ainda que em pedaços de melodias, fazem parte do nosso inconsciente tanto quanto o timbre da voz da mãe.
Quem não se emociona com o soar de uma melodia? As músicas, diz Sigmund Freud na Interpretação dos Sonhos, trazem lembranças, ainda que remotas. Mesclam-se às palavras que nos são dirigidas, quando, ainda bebês, somos mergulhados na linguagem, como ensina Jacques Lacan. Tocam nossos ouvidos. Canções de ninar, ainda que em pedaços de melodias, fazem parte do nosso inconsciente tanto quanto o timbre da voz da mãe. Esta, aos poucos, vai se afastar. E se sentimos falta de sua voz, resta-nos a memória de sua melodia. Se bem que a música não é a voz que deixa tanta saudade, ela pode ocupar o seu lugar comovendo pela nostalgia de um tempo em que palavras, tal como música, eram sons, apenas sons, sem maiores significados.
Assim, quando tocamos nossos instrumentos musicais, temos, nem que seja por um instante, a impressão de conseguirmos ser ouvidos e compreendidos sem a necessidade de juntar uma palavra à outra para transmitir sentido.
Talvez seja por isso que a música ocasiona aquela química cerebral responsável pelo “alto astral”, do qual os neurocientistas nos relatam. Reduz os níveis do cortisol, conhecido como hormônio do estresse, e eleva os da oxitocina, que causa a sensação de bem-estar. Estamos em paz, dizem, quando nos deixamos tocar pelas melodias. Para os neurocientistas, músicas funcionam como se fossem drogas que nos proporcionam felicidade.
No entanto, não são drogas. São, antes de tudo, expressão da criatividade humana. Os sons produzidos com instrumentos de sopro ou de corda imitam a voz. Os ritmos que ressoam dos instrumentos de percussão aludem aos movimentos do corpo humano. Podem até lembrar as batidas do coração da pessoa amada. No século XXI, a música eletrônica é capaz de ligar e religar pessoas isoladas que se movimentam seguindo seu ritmo, sempre sem palavras, mas articulando monólogos, como constata Jorge Forbes.
Experimente então entregar-se ao encanto da música, enquanto trabalha. Escolha seu som preferido. Que seja jazz, que seja bossa nova, os sons de Beethoven ou Tom Jobim. Verá que o esforço desaparece. Saia da solidão e mergulhe na multidão ao ritmo do rock ´n´roll ou do house, se preferir. E perceberá que, sem perder uma palavra sequer, o mundo deixa de ser o mesmo.
Italo Venturelli é neurocirurgião e psicanalista.