Por Alain Mouzat
Às vésperas do Natal, massacre em escola comove o homem mais poderoso do mundo. Suas lágrimas renovam a percepção de que um novo laço social é possível
Em plena época de Natal, a violência sem sentido se insinua no clima festivo, em mais um massacre em escola dos Estados Unidos. Há uma semana, o jovem Adam Lanza abriu fogo contra alunos e professores da escola Sandy Hook, em Connecticut, e matou 20 alunos e seis professores.
A matança se assemelha a tantos outros episódios que assolam os Estados Unidos, talvez com características mais tétricas: a idade das vítimas, que tinham em sua maioria 6 e 7 anos, a paz da pequena cidade de Newtown, que registrou apena sum homicídio na última década, o clima natalino…
Pela segunda vez, o presidente Barack Obama foi às lágrimas. Como sempre, o público tentou aplacar o horror com discursos, explicações, causalidades… Há espaço até para o obsceno: “especialistas” tentaram atribuir a matança à síndrome de Asperger.
É melhor ficar calado.
O excesso nos submerge. Não há nada para explicar. O fenômeno dos “massacres escolares”, como explica o sociólogo David Le Breton no Le Monde de 18 de dezembro, apareceu de forma esporádica nos anos 1970, se disseminou nos anos 1980, e tornou-se uma chaga a partir dos anos 1990. Embora tenham surgido nos Estados Unidos, os massacres não são exclusividade da sociedade norte-americana – a tragédia em Realengo ainda está bem viva entre os brasileiros. Não há explicações contextuais, insiste Breton. Os massacres são um preço a pagar pelo novo laço social, individualista e excludente, no qual o gesto assassino aparece como forma de afirmar a própria existência.
De fato, o laço social mudou; a quebra dos ideais e da ordem paterna, a globalização, trouxeram mudanças, como analisa Jorge Forbes no livro Inconsciente e responsabilidade. Esses gestos de “violência inusitada”, sem explicação e sem revolta contra qualquer ordem estabelecida, são um sintoma do “desbussolamento” do sujeito contemporâneo.
As lágrimas de Obama podem aparecer uma resposta fraca à tragédia para quem espera a restauração de uma ordem moral, para quem sonha com uma sociedade sem riscos, regida por uma lei do bem comum, sem máculas.
Mas o que essas pessoas teriam a propor? Emprestando um vocabulário típico da Medicina, já se fala em “detecção precoce” dos riscos. Os testes genéticos, da mesma forma que ajudam a descobrir quem tem mais predisposição ao câncer, nos permitiriam detectar, já no nascimento, os “sinais de periculosidade” de cada um. Isso ajudaria a eliminar as ameaças, antes que houvesse tragédias… O filme Minority report, de Spielberg, já descreveu essa sociedade de transparência total; o sonho se torna pesadelo.
As lágrimas de Obama nos tocam – não só pelo fato de um homem poderoso se deixar comover publicamente. Elas ecoam a comoção do fato. Melhor do que qualquer discurso, elas renovam a percepção de que existe sim, viva e forte, a possibilidade de um novo laço social. Para além da razão discursiva, as lágrimas do presidente renovam a confiança na capacidade do homem de trazer respostas inéditas a um ato desprovido de sentido.