Por Helainy Andrade
Agora está comprovado: coração dos amantes bate em sincronia. Mas a ciência precisa mesmo esquadrinhar os efeitos biológicos do sentimento?
Parece manchete do jornal de ontem porque a ideia realmente não é nova. Sempre se falou do amor, muitas vezes como sendo o passe de mágica capaz de transformar dois em um. É exatamente esse o ponto de conclusão do estudo: se vocês se amam, os dois corações terão uma mesma batida, num só ritmo. Pelo menos é o que assegura um estudo da Universidade da Califórnia, que analisou o batimento cardíaco de 32 casais heterossexuais. Mulheres tendiam a ajustar seu batimento ao de seus parceiros mais do que o contrário, interpretado pelos pesquisadores como uma conexão emocional e empatia mais fortes.
O que causa confesso desconforto, ao menos a mim, é alguém se dedicar a traduzir em evidência um fato que bem que podia ficar só na poesia… O poeta poetou e o músico cantou que o coração do amante bate pelo do amado. É o encanto do amor que faz quem ama pensar que a vida é pequena para nela caberem tantas venturas; amor que lhe põe a beleza nos olhos e reveste o amante da potência bonita de agir com destemor de ser ridículo.
Não estaria de bom tamanho experimentar isso? Não poderíamos nos bastar com a vivência de que, quando o amor nos toca, prestamos atenção ao fato de que temos um coração, e que ele bate? Sim, porque o amor nos lembra de que estamos vivos e nos enche de gosto pela vida. Para que exigir que seja em sintonia?
O que vamos fazer agora? Andar com um monitor a tiracolo, um novo aplicativo ou algum “i-tumtum” para ajudar, pela afinidade das batidas, a encontrar as respostas: meu relacionamento tem muita ou pouca chance de dar certo? O outro mente quando diz que me ama? Ou, nos casos de maior desorientação: eu o amo ou não?
O que um experimento como esse nos prova é o quanto o amor é difícil de ser suportado. Daí tentamos nos proteger dele e o quantificamos: “- Eu te amo. – Não, eu que te amo mais, veja meu monitor, meu coração bate mais acelerado que o seu. – Querida, você não se lembra que sou desritmado?!”. Ai que saudade do Tom, que eternizou a lembrança do amor-bossa nova, ao lembrar que “os desafinados também têm um coração”!
A busca da outra metade igual no amor está absolutamente distante do que vem sendo trabalhado pelos que pensam as novas relações na pós-modernidade, como Jorge Forbes e Luc Ferry. Não mais convencida do ideal de completude do amor, uma pessoa pode dizer que ama aquele (ou aquilo) pelo que sacrifica a vida. Como quem diz “não te quero para preencher o que falta em mim, mas posso dizer que te amo porque sou capaz de te dar algo de mim, que me é caro”. Tem uma diferença importante aí. Não é um amor expectante, mas da criação.
Podemos simplesmente ficar no simples: “sinto você, sinto algo quando estou com você, eu me sinto quando estou com você”. Já é o bastante para ser vivido, e arriscado, é claro.
Não precisamos ser obscenos, de ir olhar o que há atrás das cortinas. Porque o amor não está no músculo-bomba de sangue. É preciso não ir muito além. Não tem romantismo que resista a isso!
Helainy Andrade é psicanalista em Varginha-MG e pesquisadora na Clínica de Psicanálise do Centro de Estudos do Genoma Humano da USP.