Antidepressivos e suicídios 05/06/2014

Por Gabriela Corbisier Tessitore

Os psiquiatras, ao priorizarem o tratamento com base nos remédios, tornaram-se a menina dos olhos da indústria farmacêutica

De acordo com pesquisa realizada recentemente pela Faculdade de Saúde Pública de Harvard, nos Estados Unidos, e publicada no periódico Jama Internal Medicine, pacientes que receberam altas doses de antidepressivo tiveram duas vezes mais comportamentos suicidas do que aqueles que tomaram a dose usual. Exagero?

A relativização das maravilhas trazidas pelas drogas psicoativas foi objeto da polêmica crítica produzida por Marcia Angell, em Crazy state of Psychiastry*, publicado em 2011. A autora, ex-editora-chefe do conceituado periódico científico New England Journal of Medicine e pesquisadora do Departamento de Medicina Social da Harvard Medical School, aponta para o progressivo crescimento, a partir da década de 80, do uso de psicotrópicos nos tratamentos de doenças mentais categorizadas sobre o denominador “anxiety disorders”.

A mudança na condução dos tratamentos, de “talk therapy” para o uso de medicamentos, coincidiu ironicamente com a emergência e consolidação, no meio psiquiátrico, da teoria do “chemical imbalance”, segundo a qual uma disfunção é causada no cérebro, a priori, por um desequilíbrio dos neurotransmissores, e passível de correção mediante drogas específicas.

Angell alega que os psiquiatras, ao priorizarem o tratamento com base nos remédios, tornaram-se a menina dos olhos da indústria farmacêutica, e essa ligação, qualificada por ela como perversa, teve como resultado uma proliferação de doenças, de que as últimas edições do Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders – DSM dão testemunho. Em outras palavras: trata-se de business. Não se está avançando em termos científicos, mas apenas fomentando um ramo da produção de mercadorias e enchendo os bolsos dos magnatas dessa indústria.

As duas primeiras edições do DSM, de 1952 e 1968, refletiam ainda a influência dos princípios freudianos como norte para a classificação. O quiprocó se iniciou a partir do DSM-III, “a bíblia da psiquiatria”, cujos objetivos eram, sobretudo, trazer consistência para os diagnósticos e justificar a opção pelos medicamentos. A versão atual, o DSM-IV-TR, contém 365 doenças. O aumento significativo da quantidade de disfunções catalogadas levou a autora a se perguntar: “Is the prevalence of mental illness really that high and still climbing? Particularly if these disorders are biologically determined and not a result of environmental influences, is it plausible to suppose that such an increase is real?” A resposta de Angell expressa o “crazy state of psychiastry”: “Instead of developing a drug to treat an abnormality, an abnormality was postulated to fit a drug”.

Gabriela Corbisier Tessitore é mestre em Letras pela Universidade de São Paulo e professora da Faculdade de Marketing Comunicação da FAAP

* Artigo disponível, clique aqui!