Anorexia e saúde pública 19/03/2015

Por Alain Mouzat

A saúde pública sempre tem soluções de bom senso. Mas, quem diz que o desejo de nada é de bom senso?

Notícia da França: um deputado, neurologista, encaminhou um projeto de lei visando combater a anorexia, proibindo os sites “pro-ana” (sites que exaltam a anorexia, dão regras – 15 cm entre as coxas -, receitas – engolir bolinhas de algodão para saciar o estômago) -, e regulamentando a contratação das modelos pelas agências, definindo o nível mínimo de índice de massa corpórea.

No Brasil, o assunto parece não ter publicações recentes. Depois de 2013, com a morte de uma modelo e de uma menina famosa na Internet, que deram origem a uma campanha da qual participou Gisele Bündchen, o tema parece não ter mais vez. Isso não quer dizer que não haja mais pacientes portadores de “transtornos alimentares” nos hospitais.

O jornal Libération precisa que, na França, são mais de 30 000 anoréxicas. É realmente um problema de saúde pública. Se é que a palavra “saúde pública” indica que algo diz respeito a um grande número de pessoas.

Mas daí a encontrar soluções que valham para todas…

Com certeza há uma dimensão histérica na identificação e nessa comunidade Internet que favorece a eclosão de um sintoma. No entanto, seria simples demais associá-la a cânones estéticos ou modismos contemporâneos: porque mesmo em tempos de moda de gordinhas (na Roma antiga, ou mesmo nos conventos medievais, na forma de “anorexia mística”), encontravam-se anoréxicas. Catarina de Siena morreu em 1380, aos 33 anos, de inanição. O segundo argumento para se pensar que a recusa do alimento não é meramente fenômeno atrelado ao contexto social é a anorexia dos recém nascidos, que toca tanto meninos quanto meninas.

Com certeza, mulheres jovens e bebês não compartilham as mesmas estruturas psíquicas, mas o fato que umas e outros possam recorrer aos mesmos sintomas indicam suficientemente que a recusa de comer pode ser tratada por outra via do que por medidas legais, pela via da interpretação.

Para se convencer disso, basta ler o caso de Françoise Dolto atendendo um recém-nascido, caso contado por Jorge Forbes num texto intitulado “A psicanalista, a mulher, a interpretação”, que pode ser acessado em seu site: (http://www.jorgeforbes.com.br/br/artigos/a-psicanalista-a-mulher-a-interpreta%C3%A7%C3%A3o.html)

A saúde pública sempre tem soluções de bom senso. Mas, quem diz que o desejo de nada é de bom senso?

Alain Mouzat é professor da Universidade de São Paulo, doutor em linguística, e psicanalista membro do Instituto da Psicanálise Lacaniana