Por Claudia Riolfi
Ela se sentiu reconfortada por perceber que sua analista estava on-line, mesmo com o status de “ocupada”
Em análise por volta de dois anos, Eliana, dezenove, reagia às ausências mais ou menos longas de sua analista com muita angústia. As manifestações desse afeto tinham variado com a evolução da análise. Primeiro, vieram as recaídas de uso de drogas; depois, as bebedeiras; consecutivamente, as insônias e, finalmente, as tentativas de pedir ajuda.
Quanto a essas, iniciaram-se com telefonemas cujas pautas nunca ficavam muito claras. Aparentemente, era como se a moça precisasse da voz material de sua analista para ser lembrada de sua existência. (“Sua”, no caso, referindo-se tanto à da analista quanto a de Eliana).
Mais tarde, esses pedidos foram substituídos por bilhetes na ferramenta para bate-papos da rede social Facebook. Nesse caso, consciente do fato de que, quando ausente, muitas vezes sua analista não poderia atendê-la, por exemplo, por estar ministrando uma conferência, bastava a ela manter o contato, não importando o fato de não estar recebendo respostas. Foi nessa fase que a analista decidiu que também os bate-papos poderiam oferecer uma oportunidade para intervenções propriamente analíticas.
O recorte a seguir transcreve uma delas.
14h38: Eliana: Claudiaaaaaaaaaaaa
15h08: Eliana: Tô confusa. Não sei lidar com momentos de confusão. Mas tem que esperar para ver, né? Ir dançando conforme a música.
16h33: Eliana: Difícil esse negócio de esperar quando as coisas não estão muito confortáveis. Mas, OK. Estou aprendendo a aceitar isso melhor.
17h11: Analista: Best one. Ou bestona. Tu escolhe.
17h12: Eliana: HUAHAUAUAUAUAUAU. Varia.
17h15: Analista: Ainda bem.
17h16: Eliana: HUAHAUAUAUAUAUAU. Ai Claudiaaaaaa…… Agora eu fiquei tranquilona. Não entendi porque, mas fiquei confortável. Sei lá.
17h16: Analista: Escolheu o “best one”.
17h16: Eliana: HUAHAUAUAUAUAUAU. (♥ ♥). É, sim, sim.
Ao ler esse diálogo, podemos selecionar vários pontos. Nos limitaremos a dois. O primeiro, é a insistência de Eliana, que ficou quase três horas trabalhando em seus estudos. Segundo ela, o fez porque se sentiu reconfortada por perceber que sua analista estava on-line, mesmo com o status de “ocupada”. Apesar de sua solidão empírica, sentia-se acompanhada.
O segundo foi a intervenção feita pela analista às 17h11. Ao acessar sua conta no Facebook e perceber que a moça tinha tentado contato durante a tarde toda, ao invés de tentar se inteirar a respeito dos fatos (O que estaria gerando os “momentos de confusão”?), optou por oferecer uma escolha a Eliana: frente a sua angústia, Eliana poderia permanecer paralisada (“sendo bestona”) ou escolher a melhor opção (“the best one”).
Cinco minutos depois, a angústia persistente da jovem já não era mais um problema para ela. Não precisou de drogas, de álcool nem de sintomas somáticos. Uma escolha havia sido feita.
Claudia Riolfi é Professora Livre-docente da Universidade de São Paulo. Cursou pós-doutorado em Linguística na Université Paris 8 Vincennes-Saint-Denis. Psicanalista, é Diretora Geral do IPLA.