Por Evandro Limongi Marques de Abreu
Prefere-se reduzir a maioridade penal para 16 anos, ao arrepio de experiências de outros países que revelam essa medida como sendo inútil para evitar os casos de crimes violentos
“Quem foi que abriu a porteira?” A expressão é corriqueira, quando alguém quer referir-se ao que parece estar desordenado. De fato, para usarmos um termo de Jorge Forbes, o mundo, em diversas áreas, anda desbussolado. Assim, para nosso espanto, pela porteira vem passando, sem filtros, qualquer coisa. É o efeito da globalização. Os laços sociais anteriores já não servem, não correspondem, não se prestam a dar consistência à vida cotidiana.
Com o direito não é diferente. Ademais das crises política, econômica e social, dentre outras, assistimos à crise jurídica, de igual importância. Exemplos não faltam. No Poder Legislativo, quer-se cada vez mais, e desnecessariamente, criminalizar condutas diante do crescimento dos casos de crimes hediondos e sem explicação. Prefere-se reduzir a maioridade penal para 16 anos, ao arrepio de experiências de outros países que revelam essa medida como sendo inútil para evitar os casos de crimes violentos. Voltam à cena legislativa o puro casuísmo e o populismo, capazes de criarem leis ao sabor do gosto popular com argumentos emprestados tanto dos religiosos fundamentalistas, quanto dos obstinados por armas de fogo.
Para piorar o cenário, o projeto da nova Lei Orgânica da Magistratura pretende criar uma série de privilégios a magistrados pouco propensos a repensar o direito para que ele possa dar conta dos desafios do século XXI. Por outro lado, quem aposta na capacidade criativa das universidades vai se frustrar. Produz-se, hoje, uma doutrina jurídica praticamente em escala industrial. Contenta-se em reproduzir velhos conceitos no papel e, pior, nas salas de aula.
Um outro direito se faz urgente. Os problemas da corrupção, da impunidade e de um sistema judiciário e penitenciário socialmente diferenciado, racista, anacrônico e fracassado são basilares e ancestrais. Demandam soluções criativas e ousadas, não somente por parte dos poderes públicos, mas também por parte da sociedade civil. Requerem, por exemplo, a criação e a manutenção de redes de solidariedade no campo da educação. Exigem , além de muito debate e criatividade, a transformação de valores morais numa ética que admita que há o que escapa da normatização e acolha o novo. Para realizarmos isso, somos todos convocados a estar no mundo, chamados para fora, vocacionados às demandas que nos estão propostas, que nos cercam para além da porteira assim deixada – escancarada.
Evandro Limongi Marques de Abreu é advogado, professor universitário na área do direito e psicanalista em Curitiba – Paraná.