A surpresa e a mudança do mundo 24/04/2013

Por Claudia Riolfi

Para inovar é necessário não ser escravo nem das expectativas nem das instituições

“Criando inovadores: A formação de jovens que mudarão o mundo” (tradução livre de Creating Innovators: The Making of Young People Who Will Change the World, ainda não publicado no Brasil) parece ser o livro sensação do momento. Está todo mundo falando dele, como se o autor, Tony Wagner, da Universidade de Harvard, tivesse acabado de inventar a pólvora. O título agradou, olhei o conteúdo. Oh, dó!

Wagner é poser. O conteúdo de sua obra não honra o nome promissor. Propõe o de sempre com vocabulário moderninho. Por exemplo, usa a palavra “inovar” para o contexto no qual a pessoa se propõe, tão somente, a recriar uma escola para ensinar “as habilidades que importam para o mercado de trabalho”. Desde quando isso é novo? Ele não leu os textos produzidos na Revolução Industrial inglesa? Sério mesmo que Harvard pensa que as mudanças criativas têm origem nas pessoas que se limitam a fazer o que importa para os outros?

Não é de se estranhar que, neste contexto, o autor pense que a “motivação” deve ser algo a ser ofertado como se fosse um presente de Natal. Se “inovar” significa fazer o que esperam de mim, eu fico dependente de alguém que me diga o que se espera. Fico passiva. Propor iniciativa neste contexto chega a ser paradoxal. Por sorte, na “vida real” as coisas não são assim. Ao menos aqui no Brasil, as crianças têm condições para, deliberada e calculadamente, ser ativas na instituição onde estão inseridas.

Um exemplo, recolhido quando L. tinha 8 anos: boa aluna, ela não se conformava com os gritos da nova professora. Um dia, tomou coragem e disse: — Professora, meu ouvido está doendo… A professora respondeu: — Olha para a bagunça, o que você acha que eu devia fazer? Ela deu uma chance: — É para responder mesmo, professora? A senhora perdeu a compostura e, cavando sua própria cova, gritou ainda mais alto: — O que você acha que eu devia fazer?

L. estava viva. Não precisava de autorização do bispo para refletir a respeito da linguagem e, rapidamente, deu-se conta de que a professora, mesmo gritando, estava utilizando uma forma linguístico-discursiva comumente usada pelos adultos para pedir conselhos. Percebeu, também, tratar-se de uma pergunta retórica, pois, em sua avaliação, ninguém pede ajuda berrando daquele modo. Assim, usando da ironia, transformou a pergunta da professora na única coisa que não era: um pedido sincero de uma recomendação. Fingindo-se de boba, ela respondeu: — Eu acho que a senhora devia desistir do magistério, pois já demonstrou que não tem nem vocação nem competência para esta carreira…

Do alto de seus 8 anos, L. não seguiu o conselho de Wagner. Ela percebeu, por parte da representante institucional, uma demanda de legitimação de suas atitudes, mas não se mostrou disposta a fazer o jogo das expectativas. Usou da surpresa para deslocar o adulto de sua posição inicial, a de quem achava que sabia de tudo.

Guardando as devidas proporções, agiu como o psicanalista que, ao quebrar as versões cristalizadas por meio das quais o sujeito se conta a sua história, lhe oferece a oportunidade de mudar um mundo bastante importante: a sua realidade psíquica. A partir daí, ele de fato inova e, se for o caso, altera sua relação com o saber e com as escolas onde decidiu estudar.

Claudia Riolfi é psicanalista e cursou pós-doutorado em Linguística na Université Paris 8 Vincennes-Saint-Denis. Professora na Faculdade de Educação na Universidade de São Paulo. Diretora Geral do IPLA.