Por Liége Lise
As paralimpíadas têm sucesso de público nos estádios e nas telas. Não apelam ao politicamente correto, nem à compaixão. Por que nos tocam…?
Quatro notas sobre a abertura das paralímpiadas no Brasil:
1. É o ser humano que dá sentido à máquina.
Amy Purdy, 36 anos, atleta snowbord, com suas pernas biônicas deu um show de graça, erótica, beleza e sensualidade feminina ao dançar com um robô industrial. O braço mecânico ganhou expressão, além do movimento, a partir da performance de Amy e do que, na fantasia de cada espectador, a dança despertou. A tecnologia não precisa ser interpretada como uma ameaça. É o homem que tem a responsabilidade de gerir esses recursos e colocá-los a serviço do desenvolvimento da vida.
2. Um pai pode emprestar seu corpo para que um filho concretize um sonho.
A bandeira paralímpica foi conduzida por seis crianças que tinham seus passos divididos em uma mesma bota que a de seus pais. O Projeto Bota no Mundo desenvolveu um instrumento que permite que crianças cadeirantes possam viver a emoção de jogar futebol. O amor vence a paralisia, neste caso em especial, possibilita que a diversão, a emoção e a alegria possam ser sentidas, cada um a seu modo e em parceria, na extensão do corpo do outro, possibilitando a realização de um movimento, até então, impossível.
3. Se a queda é inevitável, o que conta é a velocidade com que se levanta.
Foi o que mostrou a ex-velocista, Márcia Malsar, primeira atleta brasileira paralímpica a conquistar medalha de ouro nos Jogos de Nova York/Stoke Mandeville, em 1984. Passados 32 anos, a chama do seu desejo de levar a tocha, em seu país, sede dos jogos, foi maior que a precariedade da sua marcha cambaleante e sua queda.
4. A vida é uma decisão pessoal e responsável.
Marieke Vervoort, 37 anos, campeã mundial e olímpica dos 100 metros em cadeira de rodas, escolheu encerrar sua trajetória esportiva no Rio de Janeiro. Já conquistou a medalha de prata e voltando à Bélgica decidirá se fará a eutanásia que já deixou assinada. Sente dores insuportáveis que não lhe permitem dormir e treina dependente de morfina. Ao contrário do pensamento trágico, Marieke tem um semblante altivo e sorriso cativante. Gosta de desfrutar o encontro com as amigas no jardim da sua casa e curtir a companhia de Zen seu cachorro. Fez seu pedido: Quero que lancem as minhas cinzas em Lanzarote, onde a lava se une com o mar. Um lugar que me transmite paz e tranquilidade. Quero terminar ali.
Os atletas paralímpicos, na inquietante estranheza que sua gestalt corporal provoca, desafiam a lógica da completude e do ideal. Além dos limites e sem negá-los subvertem, com paixão, as barreiras, que parecem intransponíveis. A patrulha do politicamente correto reivindica um respeito rígido e um olhar cegado pela penalização. Esses atletas acenam para outra visada, nas mais diversas práticas esportivas demonstram como obtêm satisfação com o seu corpo e passam sua diferença no mundo. As paralimpíadas mostram que a criatividade é um apelo maior que a compaixão. Uma inspiração…
Liége Lise é psicanalista, membro do Instituto da Psicanálise Lacaniana – IPLA – SP.
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