A Sala Chamada da Espera: Teatro sem LACANÊS 23/07/2015

Por Maria da Glória Vianna

Tal qual o ator, o psicanalista usa como instrumento de sua prática o manejo preciso das palavras e do gesto para tocar o paciente

Um novo paciente chegou. Não tinha como passar despercebido. Era um homem de meia idade, com anel “de doutor”, cabelo pintado de acaju e vestido com muitas grifes. Um estilo exagerado revelava alguém que, de fato, quer chamar atenção.

A exuberância alegre do seu vestuário combinava com o clima de parte das pessoas que estavam na Sala. Ignorando os poucos macambúzios, nós estávamos felizes. Na véspera, o Instituto da Psicanálise Lacaniana – IPLA tinha recebido o diretor Eduardo Tolentmeino, fundador do Grupo TAPA, o mais conceituado e premiado grupo de teatro no Brasil. Além dele, recebemos os atores Zécarlos Carlos Machado e Brian Penido Ross, que participaram de um debate acerca da peça Retratos Falantes, encenada no Teatro de Arena Eugênio Kusnet.

A peça é construída por meio de dois monólogos com uma intensa carga dramática. Trata-se de uma encenação que mexe profundamente com as emoções do espectador: ou ele a ama ou não consegue permanecer no teatro até o final. Um dos pontos discutidos no IPLA foi a relação entre o psicanalista e o ator. Tal qual o ator, o psicanalista usa como instrumento de sua prática o manejo preciso das palavras e do gesto para tocar o paciente.

Havia um movimento intenso na Sala da espera. Os colegas que foram chegando e que estavam, na noite anterior, no IPLA, pareciam querer continuar a conversa. Estavam ainda impactados com o modo como os atores falaram e nos contaram como encenaram algumas partes da peça. A presença dos atores no Instituto aguçou a curiosidade dos psicanalistas, já que muitas perguntas foram feitas a respeito de como um ator consegue elaborar, entrar e encarnar um personagem, a ponto de mobilizar, no espectador, diferentes e, muitas vezes, afetos contraditórios.

As falas na Sala estavam tão acaloradas que perdemos a noção do tom da nossa voz e do espaço em que estávamos. Foi somente quando alguém olhou para o paciente novo, que estava com cara de indagação, como se perguntasse “quem é esse povo?”, que nos demos conta do “papel” que estávamos fazendo e voltamos a esperar, cada qual, a sua vez de ser atendido.

O cara lá de dentro conhece teatro profundamente, seus pais tinham sido amigos de grandes atores brasileiros. Assim, ele fez com que o debate transcorresse em um nível muito elevado, sem recorrer ao lacanês, um dialeto comumente falado por aqueles que, sem competência ou conhecimento de causa, querem, com cara de inteligente, mascarar a falta de estudo e de leitura da obra de Freud e de Lacan. O cara lá de dentro detesta lacanês. Mostra cuidado com a transmissão da psicanálise e com a necessidade de honrar o legado deixado por Freud e Lacan. Está sempre à espreita para detectar quando algum ruído dessa praga surge na Sala, nas aulas do IPLA, nas Conversações psicanalíticas.

Embora o lacanês seja sempre um personagem que insiste em querer ser incorporado na fala de alguém, o Cara lá de dentro mostra que esse dialeto não tem lugar na transmissão da psicanálise. Fecho a cortina! 

Maria da Glória Vianna é psicanalista, mestre em linguística pela PUC e membro do Corpo de Formação do IPLA.