A previdência e o amor 25/09/2014

Por Italo Venturelli

Bem antigamente as famílias eram mais numerosas. Se os pais idosos tornavam-se mais frágeis, podia haver uma filha, às vezes a mais nova (ou então a mais feia), que cuidava.

A velhice parece não caber em nossa vida around the clock contemporânea. Defendemo-nos  dela como podemos, mantendo o corpo em forma, a mente brilhante  e a vida sexual ativa numa idade, na qual nossos pais já tinham  escolhido o par de chinelos e a vida tranquila  da aposentadoria. Não era muita coisa, mas  dava para o gasto.  Ajudavam a cuidar dos netos e contavam com a família e a previdência, caso necessitassem de cuidados. Assim funcionava.  Bem antigamente as famílias eram mais numerosas. Se os pais idosos tornavam-se mais frágeis, podia haver uma filha, às vezes a mais nova (ou então a mais feia), que cuidava.

Hoje,  as famílias são menores e, via de regra,  todos trabalham. Nada mais lógico do que deixar um parente doente e fragilizado lá, onde é bem cuidado: no hospital.  As enfermeiras dão banho e trocam os curativos, as nutricionistas supervisionam a dieta, e os remédios estão à  mão na farmácia do hospital. Os familiares ainda  se revezam na hora da visita e assim está tudo resolvido.

Talvez seja por isso que se repetem todos os dias  cenas de confusão  entre  médicos que precisam dos leitos hospitalares para internar novos pacientes e  famílias que não querem levar seus  parentes, já com condições de receberem alta  para casa.

Passaram-se os tempos nos quais o pacto entre as  gerações nas famílias era mantido sob o signo da religião: quem já foi cuidado um dia  vai cuidar dos idosos, senão comete um pecado.  Não adianta a queixa sobre os novos tempos e nem a saudade de “antigamente”.  Em cada  época, as pessoas  lidam  de maneira diferente com o amor e a morte. Cuidar de alguém  fragilizado, hoje,  não é mais simplesmente cumprir um mandamento religioso ou jurídico.  Cuidar do avô, da avó, do pai, da mãe, da tia, requer atitude: a de sacrificar ao menos parte de seu tempo ao outro, simplesmente por amor.

Talvez seja isso que Jorge Forbes chama de “novo amor”:  um laço carinhoso estabelecido não por obrigação, mas por atitude e que implica algum sacrifício. A  atitude de cuidar de alguém  não necessariamente  pode  ser tomada por algum parente.  Há  amigos que cuidam uns dos outros.   Existem  várias experiências, por exemplo em Santos e São José do Rio Preto, de idosos que se juntaram para morar em repúblicas, dividir despesas, tarefas, alegrias  e cuidados uns com os outros.

Para que o novo amor seja vivido, é necessário atitude. Mais importante do que pagar  planos de previdência  e de saúde, capazes  de cobrirem as despesas do hospital,  é cuidar dos amores e das amizades  ao longo e para o resto  da vida.

Italo Venturelli é neurocirurgião e psicanalista.