Por Italo Venturelli
Bem antigamente as famílias eram mais numerosas. Se os pais idosos tornavam-se mais frágeis, podia haver uma filha, às vezes a mais nova (ou então a mais feia), que cuidava.
A velhice parece não caber em nossa vida around the clock contemporânea. Defendemo-nos dela como podemos, mantendo o corpo em forma, a mente brilhante e a vida sexual ativa numa idade, na qual nossos pais já tinham escolhido o par de chinelos e a vida tranquila da aposentadoria. Não era muita coisa, mas dava para o gasto. Ajudavam a cuidar dos netos e contavam com a família e a previdência, caso necessitassem de cuidados. Assim funcionava. Bem antigamente as famílias eram mais numerosas. Se os pais idosos tornavam-se mais frágeis, podia haver uma filha, às vezes a mais nova (ou então a mais feia), que cuidava.
Hoje, as famílias são menores e, via de regra, todos trabalham. Nada mais lógico do que deixar um parente doente e fragilizado lá, onde é bem cuidado: no hospital. As enfermeiras dão banho e trocam os curativos, as nutricionistas supervisionam a dieta, e os remédios estão à mão na farmácia do hospital. Os familiares ainda se revezam na hora da visita e assim está tudo resolvido.
Talvez seja por isso que se repetem todos os dias cenas de confusão entre médicos que precisam dos leitos hospitalares para internar novos pacientes e famílias que não querem levar seus parentes, já com condições de receberem alta para casa.
Passaram-se os tempos nos quais o pacto entre as gerações nas famílias era mantido sob o signo da religião: quem já foi cuidado um dia vai cuidar dos idosos, senão comete um pecado. Não adianta a queixa sobre os novos tempos e nem a saudade de “antigamente”. Em cada época, as pessoas lidam de maneira diferente com o amor e a morte. Cuidar de alguém fragilizado, hoje, não é mais simplesmente cumprir um mandamento religioso ou jurídico. Cuidar do avô, da avó, do pai, da mãe, da tia, requer atitude: a de sacrificar ao menos parte de seu tempo ao outro, simplesmente por amor.
Talvez seja isso que Jorge Forbes chama de “novo amor”: um laço carinhoso estabelecido não por obrigação, mas por atitude e que implica algum sacrifício. A atitude de cuidar de alguém não necessariamente pode ser tomada por algum parente. Há amigos que cuidam uns dos outros. Existem várias experiências, por exemplo em Santos e São José do Rio Preto, de idosos que se juntaram para morar em repúblicas, dividir despesas, tarefas, alegrias e cuidados uns com os outros.
Para que o novo amor seja vivido, é necessário atitude. Mais importante do que pagar planos de previdência e de saúde, capazes de cobrirem as despesas do hospital, é cuidar dos amores e das amizades ao longo e para o resto da vida.
Italo Venturelli é neurocirurgião e psicanalista.