A pós-modernidade apenas começou 26/06/2013

Por Dorothee Rüdiger

Depois do mundo árabe e da Europa, agora é a vez do Brasil experimentar um novo tipo de ativismo político e social. O movimento popular que ressurge no país é alimentado por uma das ferramentas mais usadas pelos jovens contemporâneos: as redes sociais

O irrequieto espírito do tempo, o Zeitgeist, para usarmos um conceito do filósofo alemão Hegel, a quem se atribui também a invenção da palavra “modernidade”, está solto no Brasil. Está se manifestando nas ruas das cidades numa onda de protestos, cuja marca registrada é o “contra”: contra o preço da passagem de ônibus, contra a PEC 37, contra a cura gay, contra a política do governo federal, estadual e municipal. Para o povo brasileiro não falta criatividade, quando se trata de sair às ruas e protestar. Caras pintadas ou não, cartazes, flores, faixas. Mas, não há bandeiras. Estas são coisa do século passado, coisa da modernidade que está com seus dias contados.

Pois ao lado dessa criatividade, dessa êxtase quase que erótica do “estado de exceção”, como Giorgio Agamben descreve esse vácuo do poder, quando o povo está na rua e os governantes estão perplexos, é a violência, expressão cega, surda e muda de algo assustador que agora também vem à tona. Eros e Tanatos, as pulsões da vida e da morte, estão caminhando lado a lado. O desejo errante está solto, sem direção nem palavra, e até o símbolo mais marcante da modernidade, a bandeira nacional, vira manta de proteção contra chuva e cacetadas policiais.

Observamos em nossas ruas as consequências da grande onda de manifestações estudantis que, no ano de 1968 sacudiram o mundo desde Paris até Berkeley, desde Frankfurt até Praga, desde a Cidade do México até o Rio de Janeiro e São Paulo. À frente do movimento estava uma juventude que, angustiada com um mundo em crise, realizou o início de uma profunda desconstrução dos costumes que já tinha dado seus sinais na arte, principalmente, no rock´n roll. Questionava as instituições orientadas na figura paterna: a empresa capitalista fordista, o Estado paternalista e muitas vezes autoritário e, principalmente, a família patriarcal que não dava espaço para o desejo de emancipação das mulheres. Iniciou assim a desconstrução que ainda não terminou.

De lá para cá, o Muro de Berlim caiu e o Estado nacional cedeu soberania à da comunidade internacional. Empresas se organizaram em redes empresariais. A família tradicional está cedendo a laços amorosos que, sem a necessária bênção do Estado ou da religião, se criam e se desmancham. As redes de comunicação, por seu turno, interligam empresas, Estados, familiares e amigos. Antes plataformas para trocar imagens de festas e férias, as redes sociais tornaram-se palcos de manifestações políticas e poderosos instrumentos para decidir a constelação do poder. Barack Obama foi eleito presidente dos Estados Unidos depois que sua candidatura se tornou um “vírus” na rede.

Das redes para as ruas é um pulo. O movimento brasileiro mobilizado pela internet não é exatamente uma novidade. O mundo já viu movimentos semelhantes aos dos brasileiros nos países árabes, nos Estados Unidos e na Europa sacudida pela crise econômica. No Brasil, não há essa razão para a onda de protestos. Estão pipocando demandas que, se atendidas, puxam outras tantas. O que querem então os manifestantes? O atendimento de uma pauta de reivindicações, o impeachment, o restabelecimento da ordem nacional, um “novo mestre”, como diria Jacques Lacan?

A pós-modernidade apenas começou. O que está em pauta é a existência não de um governo, mas do próprio Estado moderno e da democracia representativa. Partidos políticos, sindicatos, organizações da sociedade civil não representam mais aqueles que encontram um sem número de demandas diante da profusão de informações encontradas na internet. Você quer o que deseja? É a questão do psicanalista Jorge Forbes. Como querer o novo? Eis a questão.

Nessa busca do novo as respostas são múltiplas. Pode haver, sim, uma resposta fundamentalista e autoritária, talvez na figura do líder carismático que, na falta de um direcionamento, dê sentido ao movimento. Essa seria a saída reacionária, aquela que procura fazer com que a história volte para trás. Por outro lado, e isso seria mais plausível, está a possibilidade da construção do poder político pela rede. Há o esboço de um partido que até tem esse nome e, não por um acaso, tem uma mulher à frente do projeto. Mas seria a política em rede a saída para a crise de representatividade do espaço político moderno? O “novo mestre” mostra também aqui sua cara. Controlar a rede tornou-se, hoje, o “sonho de poder” para falar com as palavras de Michel Foucault, da China até os Estados Unidos. Será que a Matrix tornar-se-á realidade? Fazer política em rede vai ser o desafio das gerações de jovens que até agora dão mostras que, se não sabem exatamente o que querem, sabem muito bem usar os recursos das redes sociais para soltarem a voz. Falta ouvir.

Dorothee Rüdiger é psicanalista, Doutora em Direito pela Universidade de São Paulo