Por Italo Venturelli
Como internar alguém contra a vontade, se a psicanálise se baseia na responsabilidade pelas escolhas e no desejo?
A liberdade de usar drogas ou a violência de uma internação contra a vontade? A pergunta voltou ao radar dos paulistas dez dias atrás, quando o Governo do Estado iniciou as internações compulsórias de dependentes químicos. Em parceria inédita com a Justiça, o Ministério Público e a Ordem dos Advogados do Brasil, o Estado criou um plantão judiciário especialmente para isso, que funciona diariamente no Centro de Referência de Álcool, Tabaco e outras Drogas (Cratod), no bairro do Bom Retiro, região central da capital. Em frente ao local, familiares encaravam uma espera de até cinco horas, em busca de internação para parentes “drogadictos”.
A internação compulsória é um procedimento médico realizado no mundo todo, nos casos em que a vida do paciente está inquestionavelmente em risco. É uma medida de extrema responsabilidade, na qual o paciente deverá receber os atendimentos necessários, que não tem condição de obter por conta própria. A questão é: como serão trabalhadas as questões psíquicas e o que esperar dessas internações?
A terapêutica não deve se ater somente a questões médico-psiquiátricas.
Freud, na concepção de saúde e doença, se diferencia da forma dicotômica de como é pensada a saúde mental. Propõe um entendimento que ultrapassa a bipartição entre indivíduos “saudáveis” e “doentes”. O sintoma é uma satisfação paradoxal, expressão do que a pessoa tem de mais singular. O tratamento não visa apenas a “eliminação” da doença. Mas como internar alguém contra a vontade, se a psicanálise de baseia no sintoma e no desejo?
Muitos escrevem sobre o atendimento aos usuários de drogas, mas trabalho há 40 anos em hospitais e prontos-socorros e sei o quanto isso é difícil, pois vários chegam altamente agressivos, delirando em busca da próxima dose. Podem apresentar convulsões e parada cardíaca.
Nestes casos, não se trata de vontade ou desejo. Este paciente perdeu completamente sua capacidade de discernimento, está desorientado no tempo e no espaço. Creio que certas drogas, especialmente o crack, são uma verdadeira epidemia que deve ser contida, mesmo sabendo que haveria alternativas bem melhores, com uma política de saúde mental mais adequada. Precisamos de atendimento mais humanizado nas policlínicas, com uma escuta psicanalítica, não só aos dependentes, mas a uma sociedade doente, que lida com seus sintomas de maneira violenta, narcísica, e antiética.
Os pacientes que, diariamente, são forçosamente conduzidos ao Cratod, apenas mostram mais claramente que todos temos questões emocionais a trabalhar. Muitos ainda relutam quanto aos atendimentos psicanalíticos, mesmo diante de benefícios cientificamente comprovados. A questão é o acesso da população ao atendimento. Sua eficácia é notória, mas a maioria prefere o uso de medicamentos para, assim, livrar-se da dura tarefa de enfrentar as questões psíquicas. Pílula da felicidade: que engano!