Por Adriana Ricci
Picasso e a Modernidade Espanhola
Acontece em São Paulo, até o dia 8 de junho, no Centro Cultural Banco do Brasil, a exposição “Picasso e a Modernidade Espanhola”.
Da experiência de acessar as pinturas e ilustrações do mestre do cubismo, destaco duas referências. A primeira faz des-coincidir temporalmente obra e vida na afirmação de que a arte é apenas uma rápida interrupção do fluxo existencial. E a segunda, sobre a ideia de repetição e derivação de temas: os modos diferentes são a mesma coisa.
Vamos à primeira, que traz uma novidade (a menos para mim): o artista declara que há vida fora da arte. Localiza um ofício num lugar de pausas, de interrupções de um outro fluxo, o da existência. A novidade está justamente aí, nesta localização menor da sua arte: seria “apenas uma rápida interrupção”. Trata-se de olhar a arte não como a arte em si, mas como um “estilo de vida, que contempla a ex-sistência do sem-sentido e o gozo” (1). Apresenta-se como forma de sustentação do sintoma. Algo que o interrompe, que o impele ao ato de desenhar e pintar, dentro do curso de uma vida.
Picasso declara o desejo como motor da obra. Vou ousar interferir na declaração e substituir desejo por gozo. E assim adentro à segunda referência: os modos diferentes são a mesma coisa. Quando ele repete temas como o minotauro, o cavalo e a inspiração feminina, desfila séries esteticamente parecidas, mas longe de serem idênticas, o que desafia o espectador distraído e impaciente. Ele convida à novidade dentro do mesmo tema – repete na novidade e trabalha na expectativa do incompleto (2). Ora, não é assim também na análise?
Privilegio, destas séries, a que retrata o minotauro, símbolo de agressividade e dualidade para o artista: cabeça de homem e corpo de touro – bestialidade que escapa.
Podemos ver o minotauro primeiro em um bacanal, depois acometido pela cegueira e guiado por uma menina. Qual seria o desfecho do minotauro? Não há. Quem é esta menina que carrega um pombo? Que carrega uma flor? E que guia a agressividade-minotauro, cega? O que acontece com a menina? Não sabemos. Ficamos na incompletude. Não saberemos, mas seguiremos. E me esquecendo de que o que via era uma série e não minissérie (!), me perguntei se o desfecho da estória não poderia estar no museu, em Madrid.
Mas logo, este abandono curioso é suprido por uma nova série. E mais outra. E todas sem fim. E uma guerra (a civil espanhola), que põe fim a um período de produção escassa e marca a retomada da produção do artista na tentativa de responder “Como se representa uma tragédia?”. E então vemos a dor de mães que perdem seus filhos e o uso da cor como recurso estético para esta representação. É uma cadeia de significantes em sucessivos esgotamentos que podem ser acompanhados nos 4 andares que ocupam o CCBB. Impossível não pensar no fluxo de uma análise.
A exposição se inicia no 4o andar e termina curiosamente no subsolo, onde apresenta artistas influenciados por Picasso. Apresenta o “a partir de”. E daí você segue para a rua. Para continuar a ser, na novidade, como em uma análise…
Adriana Ricci é psicóloga (USP) e coach (SBC), aprimoranda em Orientação Profissional e de Carreira (USP) e aluna do Curso de Formação do IPLA. Trabalhou por 9 anos com Recursos Humanos, trilha agora a clínica e escreve no blog http://debaixocaracois.blogspot.com.br .
Referências:
- BELAGA, G. A. (2010). O sintoma como uma metáfora da arte. Opção Lacaniana online, Ano 1, n.3, nov. 2010. Disponível em <http://www.opcaolacaniana.com.br>. Acesso em 11 abr. 2015.
- FORBES, J. Repetir na idiotice ou repetir na novidade. In: FORBES, J. Da palavra ao gesto do analista. Barueri: Manole, 2015. P. 159-184.