A nova economia do amor: criar os filhos 01/12/2016

Por Dagmar Silva Pinto de Castro

Mulheres, mães, revolucionárias? Não seriam elas as parteiras de outras formas de organização de um mundo?

Há três coisas para as quais eu nasci e para as quais eu dou minha vida. Nasci para amar os outros, nasci para escrever, e nasci para criar meus filhos. O “amar os outros” é tão vasto que inclui até perdão para mim mesma, com o que sobra. As três coisas são tão importantes que minha vida é curta para tanto. Tenho que me apressar, o tempo urge. Não posso perder um minuto do tempo que faz minha vida. Amar os outros é a única salvação individual que conheço: ninguém estará perdido se der amor e às vezes receber amor em troca. Clarice Lispector

Embalada pelas palavras do poema da Clarice Lispector, mergulho em divagações sobre o contemporâneo. Ela diz que nasceu para amar os outros, para escrever e para criar os filhos. Três coisas pelas quais declara que daria a sua vida. Impactante. Esse poema sinalizaria rupturas? Seria essa uma nova forma de amor nos dias atuais? Seria esse um caminho marcado pela singularidade de alguém que assume outras formas de amar? Instigada pela Clarice Lispector, coloco em evidência uma pequena parte do seu texto: Há três coisas para as quais eu nasci e para as quais eu dou minha vida. Entre as três, escolho: nasci para criar meus filhos. Clarice diz que daria sua vida por isso. Pelo desejo de ser mãe e maternar. É movida desde as entranhas a assumir com todas as forças o querer. De inigualável beleza, seu poema não impõe ao outro receitas. A autora  encontra seu caminho. Sem medo das palavras, na temporalidade do seu viver, sabe que é finita a vida. Escolhe. Responsabiliza-se pelo seu desejo. Há pressa. Ela se apressa porque o tempo urge. 

Esse poema destoa das discussões apocalípticas do século XXI. Coloca em segundo plano a competitividade acirrada, o esgarçamento dos vínculos de solidariedade, a mercantilização dos afetos, a globalização. Há dissonância entre o poema e o compasso do mercado. A poetisa expressa que um dos amores que a move é criar os filhos.  Acompanho dois movimentos de mães: o Maternativa e o Cientista que virou mãe. Descobri por meio deles como as jovens mães estão inventando a maternagem. Com criatividade estão dando corpo às palavras do poema da Clarice Lispector. Como? Esclareço. Reproduzo literalmente o que se encontra no ambiente virtual dos dois sites:

 “Mães prontas para empreender! Antes de tudo, somos amigas e decidimos unir nossas forças para fazer algo pelas mulheres, em especial as mães – desejo esse que já carregávamos conosco antes mesmo da maternidade. Entretanto, ser mãe transforma a mulher em todos os sentidos. Nós sentimos na pele a força dessa mudança. Por isso, criamos o MATERNATIVA […] As mães movem o mundo[…] Também é uma forma de aumentar a rede de contatos em um mecanismo virtual com foco específico em negócios. O grupo é fechado e para fazer parte dele você pode ser uma mulher cis ou trans, entretanto, é obrigatório ter filhos uma vez que a proposta do grupo é apoiar e fomentar o empreendedorismo materno.” (http://maternativa.com.br/)

“Indignada com a forma como essa mídia tradicional produz informação voltada para o público materno e demais cuidadores da infância, decidi, um dia, mobilizar esforços para valorizar o trabalho de mulheres mães que se dedicavam a produzir informação na mídia não hegemônica. Mulheres que apoiavam outras mulheres por meio de seus escritos, sem receberem qualquer tipo de remuneração e que, exatamente por isso, com o tempo deixavam de escrever para gerar renda, deixando-nos novamente nas mãos da mídia tradicional. Então, em parceria com Nani Feuser, idealizei uma nova forma de produção e financiamento da informação: a PLATAFORMA CIENTISTA QUE VIROU MÃE. A primeira plataforma brasileira de informação produzida exclusivamente por mulheres mães. São jornalistas, cientistas e demais produtoras independentes de conteúdo e, o mais importante, SEM O PATROCÍNIO DAS GRANDES CORPORAÇÕES. Nosso modelo de negócio se baseia no financiamento coletivo de todos os textos produzidos por essas escritoras. Como se fosse uma revista, mas com a grande vantagem de podermos escolher todo o conteúdo que vamos ler, não sermos expostas à publicidade e, o que para mim é o mais relevante: onde ALGUNS financiam informação PARA TODOS. Estamos saindo do paradigma da EXCLUSIVIDADE em direção à INCLUSIVIDADE. Da escassez para a ABUNDÂNCIA. Numa visão colaborativa, solidária e coletivamente responsável.” (http://www.cientistaqueviroumae.com.br/

Mulheres, mães, revolucionárias? Não seriam elas as parteiras de outras formas de organização de um mundo? Da verticalidade pai-orientada como força motriz do capitalismo elas propõem relações simétricas e de equidade. Em meio aos discursos hegemônicos do lucro a qualquer preço colocam em movimento o poema da Clarice Lispector:   nasci para criar meus filhos. Elas usam o que está disponibilizado pelos avanços da tecnologia em um mundo globalizado, mas subvertem essa ordem e criam o novo. A força motriz é criar os filhos sem perder a dimensão da oikos, da casa comum. Estão interligadas e abertas à novidade da vida em um trabalho solidário. Maternam seus filhos e inventam novas formas de relação com o sistema produtivo. Trazem à luz que a produção de uma cultura colaborativa acontece em meio à hegemonia do mercado. Assumem com respeito a singularidade das várias formas de expressão do amor. Elas causam barulho ao sair do silêncio das suas casas para anunciar que um outro mundo é possível. Seria essa nova forma de amor a resposta que se busca no contemporâneo? Elas se aproximariam do que Jorge Forbes fala em Inconsciente e Responsabilidade, sobre implicar a pessoa em seu acaso e desejo? A Maternativa e a Cientista que virou mãe escapam das malhas das receitas impostas no mundo moderno. São mulheres que bancam suas escolhas singulares. Trazem sua mensagem e a inscrevem em um contexto do entre: da verticalidade pai-orientada para o desbussolamento no contemporâneo. Elas escolheram cuidar dos filhos sem abrir mão de saberem que não se nasce mulher, se constrói! Elas morreriam por causas que não lhes são próximas? Talvez não. Como Clarice, na pressa, se apressam para inventar novas formas de amar, escrever e criar seus filhos: Tenho que me apressar, o tempo urge. Não posso perder um minuto do tempo que faz minha vida. Amar os outros é a única salvação individual que conheço: ninguém estará perdido se der amor e às vezes receber amor em troca. 

Dagmar Silva Pinto de Castro é docente do Programa de Mestrado e Doutorado em Administração da UNIMEP

Deixe um comentário