Por Dorothee Rüdiger
Como um menino tão bonito, simpático e calmo poderia ter assassinado pai, mãe, avó e tia e, depois, ter tirado a própria vida?
Uma fotografia para o álbum de família. O pai, impecável em seu uniforme. A mãe olha com um sorriso tímido para a câmera. Um menino abraça orgulhosamente o pai, policial condecorado. A fotografia não sairia da privacidade da família de classe média paulistana, se essa não fosse vítima de uma brutalidade que chocou, neste início de agosto, pais, mães e filhos de outras famílias. Mais uma vez, soubemos que o próprio lar não é um lugar seguro para se viver, nem quando se possui legalmente o porte de armas. Ao contrário.
Para a polícia, o principal suspeito do crime é o filho do casal, de treze anos de idade que, depois da chacina, teria se matado. No entanto, juristas e pessoas comuns não conseguem acreditar nessa hipótese. Como um menino tão bonito, de semblante calmo, poderia ter assassinado pai, mãe, avó e tia e, depois, ter tirado a própria vida?
“Meu sonho é ser um matador de aluguel”, teria confessado o garoto a um amigo. Para quem ainda pensa com os parâmetros dos sonhos profissionais dos jovens do século XX, trata-se de um estranho sonho de adolescente. Ser um matador de aluguel não era lá uma carreira a se sonhar, tampouco a ser seguida. Esse sonho profissional, hoje, nos parece estranho, porém não tão fora do comum. Ainda no século XX, o superego, como representante da lei do pai no inconsciente, brecaria essa estranha carreira, como afirmou Sigmund Freud. Já o recalque do desejo assassino edípico colocaria uma barreira que impediria um filho adolescente chegar às “vias de fato” e matar o pai e a família. De certo, mesmo quando o pai ainda dava a última palavra na educação dos filhos, existiam parricídios. No entanto, os motivos eram outros. Não eram estranhos sonhos profissionais. Podia-se sonhar em ocupar o lugar do pai, do chefe de empresa, do líder político. Esse sonho dava um sentido ao assassinato, se pudermos assim traduzir a teoria freudiana do complexo de Édipo.
O sonho de ser um matador de aluguel vai além do Édipo. Ultrapassa o “amor-ódio” pelo pai-chefe-líder. Inclui um cálculo de ser pago em dinheiro pela morte, um cálculo “hipercapitalista” levado ao seu extremo. Exclui completamente o temor à lei e suas consequências. Trata-se de um sonho pós-moderno do pode-tudo sem pai, sem norte, “sem bússola”, como diria Jorge Forbes. Mas, o menino era adolescente. Se crescesse, poderia largar mão de realizar seu sonho assassino como outros largam mão de sonhos de ser piloto de fórmula 1, para citar apenas um exemplo. Poderia esquecer-se de querer ser o dono da vida e da morte e tornar-se um adulto responsável. Mas não foi assim. Temo que a hipótese da política esteja certa. Pois, infelizmente, seria possível, sim, um menino de 13 anos levar seu estranho sonho até as últimas consequências e dele nunca mais acordar.
Dorothee Rüdiger é psicanalista, Doutora em Direito pela Universidade de São Paulo