Por Lilian Bison
O cineasta João Paulo Miranda Maria, que recebeu Menção Honrosa do Júri do Festival de Cannes 2016 pelo curta metragem “A Moça que dançou com o Diabo”, é entrevistado por Lilian Bison, para O Mundo visto pela Psicanálise.
LB – O que representou essa Menção Honrosa para o cinema brasileiro?
É um prêmio na competição oficial de Cannes que desde 2008 nenhum brasileiro ganhava. Pensando mais a fundo, toda minha história, o orçamento, o que nós tivemos que passar para estar lá, realmente é de um valor muito maior. Com poucos recursos, fora do eixo Rio-São Paulo, fora das grandes produtoras. Chegar ao maior festival do mundo e ainda levar o prêmio! Vejo isso como inspiração. Eu volto dessas oportunidades só querendo fazer mais.
LB – Não ceder frente ao seu desejo, está presente em você e nos personagens dos seus dois últimos filmes, que foram selecionados para Cannes 2015 e 2016. A escolha dessas duas histórias para roteirizar veio por esse traço?
Exatamente. Eu vejo que todos esses personagens também têm de mim. Eu acabo sendo um espelho. A moça e também o menino são, de alguma forma, visões de mim mesmo, de como eu sinto o mundo e de como eu encarei o mundo em toda a minha vida. Da mesma forma eu procuro, sim, identificar isso nas pessoas. Tem tudo a ver comigo. De certa forma, nos personagens e nos filmes, eu quero falar isso.
LB – Você é professor universitário e costuma dizer que além de uma sólida base teórica, é necessário colocar de si na obra. O que significa colocar de si?
Todo mundo tem uma história. Você coloca na tela trezentos anos de uma árvore em dez segundos? Precisa respeito por cada elemento em cena, pela história e pela memória de cada coisa. Da mesma maneira, eu também tenho que respeitar a mim mesmo. Quem eu sou, qual a minha história, como eu cheguei até aqui, qual foi a minha base? Então eu começo a pensar, a reconhecer o modo como o mundo me toca. Depois vem o momento em que eu começo a lidar com a realidade. Nesse segundo passo, você vai confirmar se existe isso que você imaginou. Às vezes é preciso negar o que você tinha imaginado e aceitar que é diferente. Claro que tudo é subjetivo, mas eu tenho que, de alguma forma, complexar esses sentimentos e sensações. Depois há esse embate entre os dois mundos (interno e externo) e começa a surgir de fato a obra. Quando chego na hora da filmagem tudo é friamente calculado, é tudo muito perfeccionista, tudo é muito marcado e racional. Aí chega o momento de exteriorizar o resultado desse encontro que já ocorreu nesse processo de meses. Mas, no resultado, você vê o quanto tem de espontaneidade, algo único e surpreendente. Então eu fujo a todo momento desse previsível. Não por não querer ser previsível, mas porque foi fruto de toda essa pesquisa de campo, desse encontro de mim com o outro.
LB – De que maneira você consegue passar ao espectador a sensação da existência de algo além da história que se acompanha na tela?
Isso de revelar as forças que já estão nos elementos, nas pessoas é uma coisa fantástica e é o que mais me faz continuar fazendo cinema. Tem que ter uma visão despegada de arquétipos e estereótipos. Precisa olhar um potencial tanto negativo como positivo de cada coisa. Ver que a primeira coisa que aquilo parece não é igual pela segunda, terceira, quarta vez que você vê. É aí que é o ponto. Ou seja, de certa forma, as pessoas podem chamar de talento, dom, mas para mim é muito mais uma paciência de chegar em lugares que a maioria das pessoas iriam fugir ou não dariam valor. O que eu mais tenho desejo é de falar sobre o que as pessoas menos valorizam. Para mim é um desafio e eu tomo isso como um lado pessoal de revelar toda essa potencialidade embrionária desses elementos que muitas pessoas desprezariam. E aí que eu acho que também é a grande força dos meus filmes, porque as pessoas não esperam essa força, porque são elementos que são colocados e você já de imediato tem uma interpretação comum, rotineira, como quase todo mundo tem sobre esses elementos, só que você vê aquele negócio crescendo, vai florescendo até o momento que o negócio escancara na tela que te engole, de tanta força que aquilo tem. Então, se eu fosse resumir, eu diria que essa é a procura no meu cinema.
LB – Imprimir uma marca própria, um estilo, uma assinatura. Ao que você atribui essa conquista?
Cada vez eu vejo que eu tenho que fazer as coisas mais para mim do que tentando agradar a outros. Quando jovem a gente quer fazer uma coisa do gosto comum, do bom gosto, agradar as pessoas. Com o amadurecimento você vai vendo que as coisas que dão mais certo são as coisas mais simples que você faz e que faz para si. Trazer coisas invisíveis para a imagem, as pessoas verem coisas que não estão na imagem. Quando você consegue fazer filmes que de alguma forma as pessoas completem e vejam coisas que vai além daquela imagem, aí que você começa a acertar. Aí que você começa a mostrar que a realidade ultrapassa questões, que te traz valores, sentimentos que vão muito além do convencional.
LB – O que representa o cinema na sua vida?
É um modo de vida. É o modo de ver as coisas. É como você encara a sua realidade. Mesmo eu estando aqui sem nenhuma câmera, a todo o momento eu estou olhando as potências de cada coisa. Quando eu vou sair de casa, andar de carro, falar com as pessoas…. Tudo aquilo para mim parece mágico, parece que a todo momento eu estou vivendo num mundo incrível e que coisas fantásticas acontecem e basta você parar para olhar. É assim que eu vivo e me sinto satisfeito e realizado.
LB – Em sua opinião, se existe, qual a função da arte?
Para mim a função da arte é uma maneira de se aprofundar em você mesmo e no sentido das coisas. Para que nós estamos aqui, para que serve tudo isso? O que me dá força para entender o mundo, essas coisas que a gente não entende da vida, essas questões enormes. E eu vejo que a arte é uma das únicas e a mais forte, que responde muito disso. Para mim, a história da arte, as obras, os artistas são uma maneira de enxergar o sentido de uma vida. Acredito que a arte é você identificar, de alguma maneira, os mistérios da vida.
Lilian Bison é graduanda em Cinema e Audiovisual.
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