A lógica do desejo 13/06/2013

Por Liége Lise

Enquanto o médico escuta o sintoma físico, o analista escuta o sujeito e no seu sintoma o descompasso com seu desejo

“O homem não é apenas um ser biológico. O psíquico é muito mais complexo do que milhares de neurônios interligados”. É assim que o neurocirurgião Italo Venturelli analisa sua carreira, do ponto de vista da psicanálise. Em recente participação na Sessão Clínica do Curso de Formação do IPLA, apresentou um caso clínico, no qual expressou de como o seu encontro com a psicanálise transformou radicalmente sua atuação como médico. Nesta entrevista, concedida a Liége Lise, ele nos conta da paixão pela medicina e dos impasses e apostas que o impulsionam no cuidado da vida.

O Mundo – Como foi sua escolha pela medicina e em especial a neurologia?

Italo Venturelli – A escolha pela medicina aconteceu quando eu ainda era menino. Minha mãe era muito doente e eu a acompanhava nos tratamentos, muitos deles, frios e displicentes. Mais tarde, percebi que tinha a responsabilidade de fazer alguma coisa pelo cuidado da vida e a neurologia me interessou por permitir entender um pouco como esta maravilha chamada cérebro pode nos dar a consciência de si mesmo, bem como a complexidade do pensamento, a interação com o outro e com a realidade por meio da linguagem. Comparo a medicina a uma linda mulher, apaixonante, exigente e exclusivista, que não suporta esperar, que exige atenção máxima, mas que te arrebata, te acompanha, te conforta, te ilumina, e que te faz sentir-se vivo.

O Mundo – E como foi encontro com a psicanálise lacaniana?

Italo Venturelli – Ele se deu pelas minhas inquietações com a vida, com o espírito humano e a morte. Estudei filosofia por mais de 30 anos, operei milhares de cabeças procurando a tal da alma, e não encontrei. Daí a descoberta de Sigmund Freud, Jacques Lacan e Jorge Forbes, que me falaram coisas que vieram ao encontro da construção de um sentido da vida mais autêntico.

Na clínica a passagem da neurologia para a psicanálise foi a partir da constatação de que os sintomas dos pacientes estão muito além da matéria cerebral, não seguem o padrão anatômico e fisiológico do organismo. O homem não é apenas um ser biológico. O psíquico é muito mais complexo do que milhares de neurônios interligados. A dimensão humana é contemplada pela psicanálise a partir da lógica do desejo. Por exemplo: o paciente não movimenta a perna não é por ausência de estímulo elétrico ou ocasionado por uma lesão, mas sim por algo subjetivo que está alterando o mecanismo anatômico funcional do organismo. Há um mais além desse biológico, Freud foi genial ao reconhecer esta outra lógica de resposta e expressão do corpo a partir da histeria.

O estudo da psicanálise e minha análise pessoal, em muito me ajudam como neurologista, pela escuta diferenciada do sintoma, que não é da mesma maneira na medicina. O médico escuta o sintoma físico, o analista escuta o sujeito e no seu sintoma o descompasso com seu desejo. Tratar apenas o sintoma físico, em muitos casos, é redundante, pois ele apenas vai deslocar, saindo de um órgão para o outro, de uma queixa para outra. A escuta psicanalítica possibilita mudar a relação da pessoa com seu sintoma e com a satisfação dele decorrente.

O Mundo – Como você avalia a questão da medicalização?

Italo Venturelli – Na prática clínica observo o uso indiscriminado de medicação. Desde crianças em idade escolar, em que o aumento da medicalização está se dando de forma significativa, – as crianças ou estão sedadas ou usando alguma medicação para melhorar a memória –, até os adultos que se privam de lidar com os conflitos, tristezas e perdas inerentes da vida. As emoções são rotuladas e enquadradas em algum diagnóstico. O difícil é retirar este rótulo dos pacientes que, por vezes, se aferram como muleta existencial. Ficam marcados como gado. São chamados de depressivos, bipolares, fóbicos hiperativos etc. Acredito que isto também ocorra pela formação tecnicista dos médicos que desconsideram as nuances do diagnóstico como arte. É mais fácil medicar do que ouvir atentamente um paciente. De nada adianta também ouvir e não escutar. Daí a psicanálise ser um instrumento fundamental. Quem não sabe o que procura, não percebe quando encontra.

Não há como negar os benefícios e avanços da indústria farmacêutica, porém fica a questão que Jorge Forbes coloca em seu artigo: “O erro é esperar sentido em tudo”, quando diz: “O momento é chegado, já estamos atrasados, é preciso darmos um basta ao conforto ilusório e preguiçoso de uma sociedade tão medicalizada – para tudo tem remédio – quanto irresponsável em sua cidadania”.

O Mundo – Em sua opinião, qual o futuro da medicina?

Italo Venturelli – Lacan já apontava que o futuro da medicina é a psicanálise. Importante ao médico entender as questões biológicas, mas também saber articulá-las ao subjetivo dos seus pacientes. É o que percebemos na Clínica de Psicanálise do Projeto Genoma Humano da Universidade de São Paulo (USP) como um novo paradigma clínico. Estamos em uma época em que nunca o conhecimento esteve tão exposto para a sociedade, no entanto, a angústia pela escolha está mais presente.

Descobrir que nada temos de santo, ou de milagreiro, ajuda muito. O trabalho bem realizado é fruto de muito estudo, entrega e implicação. A aposta na invenção responsável de novas soluções para o sofrimento humano requer o compromisso com a vida. Acredito que é preciso primeiro estar bem consigo mesmo e perder o medo do mundo que nos coloca frente a novos impasses, pois só assim é possível aprender a cuidar e amar o outro.

 

Dr. Italo Venturelli é neurocirurgião, psicanalista e diretor do Hospital Regional do sul de Minas Gerais