À imagem dos “selfies” 10/09/2015

Por Emari Andrade

Vivemos em uma época em que o coletivo nos ajuda, na diversidade que ele comporta, a sermos “um”

A “mania” chegou e, pelo menos por um bom tempo, veio para ficar. De norte a sul do Brasil, seja nas escolas, eventos esportivos, modestas festas ou nos glamorosos eventos, há sempre quem se junta em um “montinho” para tirar uma “selfie” ou, na tradução, um autorretrato. A adesão dos brasileiros à prática chamou a atenção, inclusive, da empresa Samsung, que encomendou, no início deste ano, para a Antennas, consultoria de business insights 100% mobile, um estudo que indicasse qual o comportamento dos brasileiros frente a essa tecnologia. De acordo com o estudo, 90% dos brasileiros fazem selfies. Como ler, com a psicanálise, esse dado? Estaríamos vivendo em um momento de captura nefasta do imaginário e formando uma geração de narcisistas, que só estabelecem relações solitárias entre si?

Não. Muito pelo contrário. O que o resultado da pesquisa nos permite pensar é que o brasileiro tem encontrado um modo de usar a captura da imagem para aprofundar ou criar outros laços sociais. A pesquisa, que ouviu 1.446 pessoas de diferentes idades e classe social em todo o país, mostrou que o que diferencia o “selfie” do brasileiro é a captura de uma imagem com “todo mundo junto”. Mais do que fazer uma imagem de si, os brasileiros gostam é de incluir mais gente na imagem. A pesquisa apontou que 72% dos entrevistados tiram fotos com familiares e amigos, razão pela qual os pesquisadores afirmaram que a população gosta mesmo de fazer “wefie”.

Ler Freud nos ajuda nessa discussão. Em 1914, em um dos textos clássicos em que trabalha o conceito de narcisismo (ou o amor a si mesmo), o psicanalista postulou que se trata de uma instância necessária para a estruturação do sujeito, pois é a partir dele que o bebê faz uma imagem de si mesmo, a partir da qual passa a se reconhecer como um “eu”. Freud, inclusive, diferenciou o narcisismo do autoerotismo (os primeiros investimentos pulsionais que ocorrem quando o bebê ainda não tem uma imagem unificada do seu corpo). Assim, é importante saber diferenciar o que é da ordem da captura de uma imagem (que pode estruturar) de algo como o autoerotismo ou com a permanência em um narcisismo que transforma as pessoas em autoegoicas.

Olhar as fotos mais publicadas e acessadas nas redes sociais, local onde as “selfies em geral são postadas”, nos mostra também que a tônica não é o autoerotismo. Os autorretratos que mais circulam são aqueles em que se misturam pessoas de várias “tribos”. É como se vivêssemos em uma época em que o coletivo nos ajuda, na diversidade que ele comporta, a sermos “um”.

Os retratos tradicionais em que as pessoas ficavam hierárquica e organizadamente em frente a uma câmera cada vez mais estão dando lugar a imagens de um ajuntamento mais flexível, que registram a mistura e o cálculo de quem está fotografando para incluir no registro não somente quem decidiu fotografar, mas também ele mesmo. Não se trata de algo isolado, mas de uma busca para que, na pluralidade, cada qual encontre o seu lugar.

O que o resultado da pesquisa nos mostra é que preferimos viver um tipo de laço mais solidário e não solitário. Frente à possibilidade tecnológica de ter uma câmera frontal que mostra a imagem de si mesmo para ser publicada nas redes sociais, o brasileiro prefere ter a imagem daqueles com quem escolheu ensinar, estudar, trabalhar, sair, treinar etc. 

Emari Andrade é doutora em educação, membro do Grupo de Estudos e Pesquisa Produção Escrita e Psicanálise, da FEUSP, professora de língua portuguesa e monitora do curso on-line do IPLA