A formação do psicanalista implica ter se confrontado, na própria análise, com a surpresa dos achados acidentais 11/12/2014

Por Maria da Glória Vianna

Decálogo dos achados acidentais em uma análise

  • Quem começa uma análise, pede ajuda. A pessoa espera que o analista possa tirá-la de seu sofrimento;
  • Portanto, o que a pessoa espera encontrar é uma SOLUÇÃO para seus problemas;
  • No curso de uma análise, ela descobre, em primeiro lugar, a sua implicação nos problemas dos quais se queixa. Normalmente, esse é primeiro achado acidental;
  • Mais tipicamente, a pessoa desenvolve intensos sentimentos de culpa. Passa a se martirizar pelo curso de sua vida;
  • Se persiste no exame desses desarranjos, acaba por encontrar uma força maior do que ela; força essa que, até aquele momento, vinha agindo como causa do sofrimento da pessoa. É o segundo achado acidental;
  • É provável que, nesse ponto, a pessoa fique curiosa pelos contornos do inconsciente, cuja existência concreta acabou de descobrir. Ao longo dessa exploração, a pessoa acaba percebendo o caráter de falácia do cenário inicial que a levou a procurar uma análise. É o terceiro achado acidental;
  • A pessoa percebe que a história por meio da qual narrava sua vida não dá conta de apreendê-la em sua singularidade. É o quarto achado acidental;
  • Então, movida por um entusiasmo (que é resultado de uma análise levada a bom termo), perceberá a necessidade de inventar formas de inserir no mundo sua singularidade. É o quinto achado acidental;
  • No momento de investir na inserção das formas visíveis de sua singularidade no mundo, perceberá que, quase sempre, a repercussão social desse advento é difícil de ser suportada, tomando a forma de: agressividade, inveja, retaliação, sabotagem etc. É o sexto achado acidental;
  • Caso a pessoa consiga sustentar sua opção na comunidade na qual está inserida, descobrirá a necessidade de criar modos de lidar (savoir-y-faire) consigo e com seus pares. É o sétimo achado acidental;
  • Na sequência normal de sua vida, a pessoa percebe que os ganhos obtidos ao longo de uma análise precisam ser renovados para se manter. Não há garantias vitalícias. Um dos modos de manter o frescor de suas conquistas é renovando-as, em uma clínica. É o oitavo achado acidental;
  • Nos embates clínicos, perceberá que, nas instâncias nas quais não avançou, não consegue guiar ninguém. Como analista, seus pontos cegos serão aqueles que se mantiveram cegos durante a análise pessoal. É o nono achado acidental;
  • Concluindo: O décimo achado acidental do psicanalista que se forma é relativo à própria formação. Como o título desta contribuição indica, essa implica ter se confrontado, na própria análise, com a surpresa dos achados acidentais.

Maria da Glória Vianna é psicanalista, mestre em linguística pela PUC e membro do Corpo de Formação do IPLA.